domingo, 11 de julho de 2010

George Sand Bombshell

domingo, 11 de julho de 2010

A jovem George Sand

O que haveria em George Sand que tanto atraía os homens? Olhando para os muitos retratos de Amandine-Aurore-Lucile Dupin (1804-1876) não é tão fácil descobrir. A moda feminina da década de 1830 está bem longe da ousadia que caracterizará, muitíssimo mais tarde, as charmosas Bombshell. Em 1830 os vestidos de baile por vezes deixavam os ombros à mostra, e talvez já fosse isso ousadia suficiente para uma alma romântica. Mas o segredo de George Sand, pseudônimo famoso de Amandine, certamente se encontrava, sobretudo, em sua complexa personalidade.

Venho me deparando com informações conflitantes sobre George Sand há muitos anos, oriundas das mais desencontradas fontes. Quando me interessei pelo Marechal Maurice de Saxe (grande militar francês do século XVIII, conhecido também pelas muitas amantes, uma delas disputada com o enciclopedista Marmontel) descobri que Sand era sua bisneta. George Sand, aliás, tinha bastante orgulho das origens nobres, pois dedicou um volume inteiro de suas memórias à própria árvore genealógica.

Também li, e isso é bem óbvio, que ela gostava na juventude de usar roupas masculinas, o que causava escândalo. Ao estudar Dostoiévski constatei o quanto o romancista russo a admirava como escritora, e ao estudar Baudelaire constatei também o quanto o poeta a detestava. George Sand era amiga de Balzac, mas Champfleury também não gostava dela. Ela era amiga de muitos artistas, como Calamatta, o renomado gravador, tradutor de Ingres. Ao mesmo tempo, não prestou atenção aos jovens artistas que consagrariam a arte francesa, à geração de Manet (Courbet ela já não tolerava). Como defini-la? Como entendê-la? E não reclamo por falta de informação, porque Sand era particularmente afeita aos escritos autobiográficos.

Detenho-me brevemente, então, no assunto que me fez começar esse texto, a vida amorosa de George Sand. Seria tentador aproximá-la a uma personagem literária conhecida de todos, Madame Bovary: Sand casou-se com Casimir Dudevant em 1822 e algum tempo depois, como Bovary, queixou-se de tédio no casamento. Em 9 de novembro de 1825 escreve ao marido: “[...] tédio – uso essa palavra, ainda que seja vazia de sentido, para expressar a tristeza secreta que me consome” (tradução minha).


Sand desenhada por Musset

Mas há uma grande diferença entre as duas: Bovary se deixava levar pela imaginação, enquanto Sand era cheia de iniciativa e muito prática. Bovary, endividada, morreu de culpa, enquanto Sand deixou o marido e começou uma nova vida, com a recém-descoberta vocação de escritora e com muitos novos amores. O primeiro deles foi Jules Sandeau (1811-1883), com quem dividiu a pena – sua carreira de escritora começa aí, nos escritos que assinavam juntos. Mas Sandeau a trai com uma criada, e Sand encontra consolo em Alfred de Musset (1810-1857). Poeta romântico, Musset se apaixona perdidamente por Sand (o que não o impede de seguir a vida boêmia e esperar, naturalmente, que ela providencie todos os cuidados de que necessita – refeições, roupas, etc.). A parceria literária se revela profícua: George Sand escreve uma cena chamada Uma conspiração em 1537, sobre o assassinato do tirano duque Alexandre (1510-1537) por seu primo, Lorenzo de Médici (1514-1548), em Florença. Essa cena será transformada por Musset em uma de suas obras mais famosas, Lorenzaccio (que tenho aqui, em francês – um exemplar descartado pela biblioteca da Alliance Française no tempo em que eu estudava lá; chamo a atenção para o fato de que praticamente ninguém o retirava).

A parceria amorosa entre Sand e Musset, no entanto, logo se desintegra. Eles viajaram juntos para a Itália, Musset segue a vida desregrada e adoece, Sand cuida dele e, ao mesmo tempo, se torna amante do médico que o atende, Pagello. Esse episódio italiano merecerá um curioso “duelo de penas” mais tarde. Logo após a morte de Musset, Sand publica um relato autobiográfico romanceado, Elle et lui (1859), em que narra como teria sido o caso entre os dois e a viagem à Itália. Sand se transforma em Thèrese e Musset em Laurent. É Thèrese que decide terminar com o relacionamento, o que é justificado do seguinte modo: “Ela teve a felicidade egoísta; ela não pensa mais no que será de Laurent sem ela. Ela era mãe, e a mãe havia irrevogavelmente matado a amante” (tradução minha).

Seis meses depois o irmão de Musset, Paul de Musset (1804-1880), também escritor, publica uma ruidosa paródia do romance de Sand, Lui et Elle (1860). Aqui Sand se chama Olympe, e Musset, Edouard. Olympe é uma criatura intragável, que faz gato e sapato do amante. Em quem acreditar?

Sand pintada por Delacroix, parte de retrato em que também aparece Chopin

O próximo amante famoso de Sand será Chopin. Ficam juntos vários anos (ela reclama da excessiva sensibilidade dele, de seu difícil temperamento) e a ruptura ocorre ao que tudo indica em função do casamento da filha dela, Solange, com o escultor Clésinger. Sand desaprovava a união (Clésinger era muito mais velho e tinha fama de ser violento e boêmio), e Chopin, que queria Solange como a uma filha, deu todo o seu apoio. Solange escreve a Chopin, em 30 de setembro de 1847: “Por um lado, problemas financeiros, por outro, uma mãe que me abandonou mesmo quanto eu não tinha experiência de vida [...]” (tradução minha). Já o irmão de Solange, Maurice, foi por toda a vida intimamente ligado à mãe (o que chegou a prejudicar seu casamento).


George Sand idosa

Se resta por vezes ambígua a atuação de Sand como amante e mãe, bem mais tranqüila é a sua imagem de avó, dedicada e amorosa, recebendo os netos na bela casa em Nohant. Estará alguém com a razão? Devemos confiar ou não nos relatos autobiográficos de George Sand, em sua versão dos fatos? Por outro lado, será que essa pergunta é relevante? Sand desempenhou uma boa quantidade de diferentes papeis em sua vida, o que por vezes torna difícil entendê-los em conjunto. Não há mesmo sentido em procurar coerência.