segunda-feira, 28 de junho de 2010

De jacobina a girondina em três passos

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Primeiro Passo. Eu tinha dezoito anos quando cursei, no primeiro ano do curso de Artes Visuais, a disciplina Filosofia da Arte. Tínhamos aula na Arquitetura e para mim foi uma experiência encantadora, porque lemos Novalis, Mary Shelley e, principalmente, Rousseau, doses generosas de Rousseau (Discurso sobre a Ciência e as Artes, Discurso sobre a Desigualdade entre os Homens...). Um vizinho lá de Taquari já havia nos emprestado o Emílio ou da Educação. A professora alertou para o fato de que Rousseau era uma personalidade complicada, mas eu não liguei, tudo o que ele escrevia me parecia lindo. Antes disso eu já gostava da Revolução Francesa, e então Rousseau, e depois, quando lia sobre jacobinos e girondinos, eu comecei a me posicionar do lado dos jacobinos. Eu gostava de me engajar nas leituras, de algum lado haveria de ficar, e como poderia escolher algum que não fosse a esquerda?

Segundo Passo. Faz parte do linguajar comum dizermos que “não vemos o tempo passar”, forma de explicar a sensação de que o tempo passa rápido demais. Ainda que eu também diga isso, na prática não é bem verdade. Percebo em várias das minhas áreas de interesse o tempo passando e modificando várias convicções e preferências intelectuais. Hoje vemos o caso da minha relação imaginária com girondinos e jacobinos. Posso refazer o percurso e explicar o que mudou, e por qual motivo.

Quando estava pesquisando para minha tese, com um capítulo sobre Jane Austen, li mais do que de costume sobre escritoras inglesas do século XVIII. Foi nessa época que li A vindication of the rights of the women, de Mary Wollstonecraft (mãe de Mary Shelley, haverá uma postagem dedicada apenas às duas futuramente). Pois Wollstonecraft, sempre que podia, criticava muito Rousseau – ela não suportava a Nouvelle Heloïse e julgava as posições de Rousseau desfavoráveis às mulheres. Comecei a desconfiar. Me deparei também com a literatura antijacobina que toma de assalto a Inglaterra na década de 1790. Descobri que Edmund Burke, sim, o mesmo que formulara aquele lindo conceito do Sublime na metade do século XVIII, atacava duramente a Revolução, com argumentos à primeira vista razoáveis.

Bom, realmente as coisas não pararam por aí. Estive às voltas com os enciclopedistas no começo do ano passado, e mexi com muitos documentos de época, facilmente acessíveis agora através do site da Biblioteca Nacional da França. Marmontel criticava duramente Rousseau, e Rousseau era leitura de cabeceira dos jacobinos e de seu líder, Robespierre. Marmontel conta, em suas memórias, o comportamento destemperado de Rousseau com relação ao bem intencionado David Hume; muitos dos iluministas que se envolvem na Revolução como girondinos falam mal de Robespierre, que consideram populista e muitas vezes de pobre desempenho na tribuna. O que mais me incomoda é o tanto de antiintelectualismo que farejo, aqui e ali, entre muitos dos jacobinos – um comentário em alguma biografia, uma ou outra frase apanhada em um dos documentos da época, e ainda todos aqueles infames panfletos contra a família real da França, ou contra outros alvos igualmente visados. Eis que tudo isso me empurra, a cada dia, para o outro lado da Assembleia.

Mas eu ainda tinha dúvidas, talvez estivesse julgando mal. Talvez tudo fosse intriga dos inimigos contra os jacobinos, ainda que, cá entre nós, o Terror definitivamente não seja um bom cartão de visitas. Eu, como os girondinos, leitores de Voltaire, preferia que as crianças fossem educadas em parte na escola e em parte em casa – os jacobinos propunham um sistema “espartano”, no qual o Estado se encarregaria da educação completa das crianças, que não mais viveriam com seus próprios pais. Bom, e há também todas aquelas caricaturas antijacobinas (algumas mostro aqui), e o ensaio O ano II, de T. J. Clark, que mostra Marat e os jacobinos sob uma luz bem pouco dourada. Tudo isso é de confundir, como se vê, mas eu seguia na dúvida.

Terceiro Passo. O nome da minha gota d´água é Condorcet (1743-1794). Também li muito sobre ele no ano passado. Cientista político, filósofo e matemático, ele se opôs à morte de Luís XVI. Foi voto vencido, como sabemos, e não demoraria a ser considerado como inimigo da Revolução, durante o Terror. Conseguiu se esconder na casa de uma amiga por alguns meses, período no qual escreve sua obra-prima, Esquisse d'un tableau historique des progrès de l'esprit humain (1793). Em março de 1794 é preso e, dois dias depois, encontrado morto na cela. Sophie de Grouchy (1764-1822), a viúva, juntamente com o amigo Pierre Daunou, irá se encarregar de publicar o manuscrito. Findo o Terror, o governo revolucionário compra toda a edição do livro, e li também o documento em que essa decisão é registrada. Tive a boa sensação de sentir que não sou um caso isolado ao folhear o meu novíssimo Cidadãos: uma crônica da Revolução Francesa, de Simon Schama, um crítico duro do Terror, que descreve a morte de Condorcet bem ao final de seu imenso texto.

Talvez possa parecer que é apenas uma brincadeira escolher ficar entre girondinos e jacobinos a essas alturas. O mundo real da revolução há muito já acabou, e o que resta agora são essas milhares de reconstituições individuais, puramente imaginárias. Mas eu não estou brincando. Esse mundo que agora apenas imaginamos já foi incrivelmente doloroso e real, e merece o mesmo respeito que Hans Castorp em A Montanha Mágica, de Thomas Mann, devota aos doentes e moribundos do sanatório no qual está internado. Por isso para mim especular sobre girondinos e jacobinos não é apenas uma brincadeira, como jogar cartas. Essa decisão já teve um peso de vida ou morte, e procuro sempre me lembrar disso quando, a cada dia em que envelheço um pouco mais, rumo em direção aos girondinos.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Breve tipologia do plágio acadêmico

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Minha intenção inicial era apresentar aqui uma breve história do plágio acadêmico, mas na aula de Ciências da Arte: Espaço Simbólico mergulhamos hoje na semiótica e a minha gana tipológica foi despertada. É por isso que veremos aqui uma ainda incipiente tipologia do plágio acadêmico, que merecerá futuros aperfeiçoamentos.

A questão do plágio é uma dor de cabeça para os professores de várias áreas. São inúmeras as universidades mundo afora que dispõem de legislação específica sobre plágio, da qual os alunos tomam ciência, e é comum encontrar nas últimas linhas de um plano de ensino todas as sanções a que o aluno estará sujeito caso incorra nesse verdadeiro delito intelectual. Como professora mais de uma vez tive de lidar com situações de plágio. Minha reação inicial foi de perplexidade: não conseguia ver nenhuma diferença entre um plagiador e outro, e me concentrava na comprovação do erro e nas providências necessárias para sua solução.

Com o tempo, no entanto, essa minha compreensão do plágio, em p&b e altamente contrastada, começou a ganhar um colorido complexamente matizado. Aos poucos percebi algumas verdades fundamentais sobre os plagiadores (e não estou pensando mais apenas nos plagiadores discentes, mas em um, digamos assim, plagiador universal): eles são como os demais elementos da natureza, não há um igual ao outro. A sua ação se diferencia ainda na natureza essencial: pode resultar em plágio (a cópia de qualquer espécie de trabalho de outrem, completo ou em partes) ou em autoplágio (a cópia do próprio trabalho inserida em outro trabalho, sem a identificação do procedimento – não confundir com a figura da autocitação inepta, também muito recorrente). Plágio e autoplágio podem conter, além disso, um desses dois tipos de elemento de conduta: o dolo (erro por má-fé) ou a culpa (erro sem má-fé). Finalmente, plágio e autoplágio, culposos ou dolosos, podem variar no que diz respeito ao foco da motivação, apresentando-se, desse modo, como egocêntricos (incitados por motivos pessoais ou internos) ou exocêntricos (incitados por motivos transpessoais ou externos). Vejamos como essa bela e longamente meditada teoria se aplica a um punhado de casos concretos.

Plágio doloso de motivação egocêntrica: este é o plágio ao mesmo tempo mais temido e mais comum. O plagiador segue, nesse caso, a lógica do ladrão: pega o que consegue a fim de ter o maior lucro possível. Nos cálculos de ganho entram as horas que deixa de gastar pesquisando e concebendo um trabalho original. Um exemplo que me ocorre é o de Helena Morley (1880-1970), que relata, em Minha Vida de Menina (1893-1895), o ardil ao qual recorreu, certa feita, na tentativa de ganhar mais tempo para brincar com a amiga Cecília: copiou de um livro uma carta, solicitada como exercício de redação, e a entregou a Seu Sebastião, o professor de português. O que acontece depois saberemos pelo próprio relato de Helena, antológico:

“Quando chegou a minha vez: ‘Helena Morley!’ olhou para o meu lado e parou um instante. Fiquei com o coração aos pulos, esperando o elogio. Ele gritou alto: ‘Onde é que você descobriu o manual?’. Os alunos caíram na gargalhada. Que maldade de Seu Sebastião!”.

Plágio doloso de motivação exocêntrica: lembro perfeitamente que incorri, uma única vez, nesse plágio, no tempo em que cursava o então chamado primeiro ano do segundo grau. Após um ano inteiro sendo mentalmente torturada por péssimas aulas de moral e cívica, resolvi revidar e pregar uma peça na professora. Copiei, com bela letra, um artigo completo da revista Nova Escola (não lembro o assunto) e entreguei como trabalho final da matéria. Minha paga me deixou indignada: tirei nota máxima e a professora nem sequer desconfiou do plágio. Sim, eu sei, foi ingenuidade de minha parte.

Plágio culposo de motivação egocêntrica: esse é o plágio que se difunde com maior rapidez. Ele viceja entre os que não estão habituados ao trabalho intelectual. Fiquei estarrecida quando o identifiquei. Podemos enquadrar aqui todos aqueles plágios cometidos por plagiadores culposos, ou seja, por aqueles que, almejando uma boa nota na disciplina (daí o caráter egocêntrico), recortam e colam da Wikipédia sem sequer sonhar que há algum problema em fazer isso. Por alguma via que desconheço eles se acostumaram a entender a pesquisa como uma atividade de cola e tesoura, e exibem mesmo orgulhosos o fruto de seu trabalho. São tais plagiadores que nos presenteiam com aqueles chamativos trabalhos-quilt, cravejados de hiperlinks não removidos.

Plágio culposo de motivação exocêntrica: apresenta as mesmas características acima citadas, com a diferença de que a motivação é agradar ao professor, ou à família, ou ao namorado/a. É o mais desapegado dos plágios e o mais elevado espiritualmente.

Desnecessário dizer que todas essas variantes se verificam também no autoplágio, o qual não abordarei nesse momento, até porque se trata de questão controversa: plagiar a si mesmo é, de fato, plagiar? As idéias do autor, por exemplo, não são como peças de Lego, blocos de montar que podem ser utilizados, em diferentes disposições, em uma sequência infinita de artigos, sob os mais variados títulos? O próprio Walter Benjamin não fez isso ao extrair do texto Pequena História da Fotografia, de 1931, o parágrafo mais fundamental, e a partir dele conceber o imortal ensaio A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica (1936)? Estaria ele, por ventura, errado? Se entendermos as idéias como propriedade privada, seria mesmo possível roubar a si mesmo? Je ne sais pas.

Como mencionei no início, minha teoria ainda não está completa. Ela segue se desdobrando como uma tênia bem nutrida, e já posso ver no horizonte duas novas categorias, mais abrangentes e ainda mais ancoradas na tradição acadêmica: o plágio clássico e o plágio romântico. Deixemos que o tempo as amadureça.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Como e por que amo Grandville

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Retrato de Grandville por Émile Lassalle, 1840

Esse ano muito se falou no livro Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, 1. ed. 1865), de Lewis Carroll (1832-1898), devido ao lançamento do filme homônimo, de Tim Burton. Nas livrarias podemos encontrar várias edições novas do texto, maravilhosamente ilustradas. Mas o que a maioria de nós não sabe é que uma das fontes de inspiração para o extraordinário universo criado por Carroll é Jean Ignace Isidore Gérard Grandville (1803-1847), um caricaturista e ilustrador muito famoso nos primeiros tempos da República de Julho. Assim como Daumier, após as rigorosas leis de 1835, que coibiam as sátiras políticas, Grandville precisou encontrar outros temas para exercer sua criatividade. É assim que, primeiro, ilustrou as Fábulas de La Fontaine e, depois, criou álbuns com temas fantásticos, como Un Autre Monde [Um outro mundo], de 1844, que veremos aqui.

Pois Lewis Carroll conhecia bem Un Autre Monde. Claro que eu não sabia disso quando vi, pela primeira vez, o álbum de Granville. Percebi a semelhança entre algumas ideias e conceitos visuais e só então fui atrás da confirmação de minhas suspeitas. Nesse fantástico álbum de 1844, que deve ter assustado Baudelaire (ferrenho crítico do caricaturista, aliás), o viajante Hahblle viaja de balão e conhece mundos surpreendentes. No capítulo Les Métamorphoses du Sommeil (As metamorfoses do sono – sim, sim, As Metamorfoses de Ovídio são uma assumida referência de Grandville), ele tem um sonho realmente surreal (sim, sim, os surrealistas, não por acaso, como eu amarão Grandville), no qual assiste a uma revolta das cartas, “que querem enfim levar adiante suas próprias querelas e não mais servir àquelas dos outros” (trad. minha). É dessa imagem criada por Grandville, a das cartas em guerra, que Carroll, e depois seu ilustrador, Sir John Tenniel (1820-1914), extraem a idéia do exército de cartas que apoia a malvada Rainha de Copas. Reproduzo aqui respectivamente as ilustrações de Grandville e as de Tenniel, para que possamos compará-las.



Grandville também será fonte de inspiração para os simbolistas franceses, como Odilon Redon (1840-1916), que explorou com particular consistência o capítulo Une Révolution Végétale, igualmente de Un autre monde. Nesse capítulo o narrador coloca na boca de uma das personagens o seguinte: “Um reino inteiro da natureza se revolta: eis a terrível notícia que devo te anunciar”. O reino rebelde aqui é o dos vegetais, que são antropomorfizados, como podemos ver na imagem Le reveil des plantes [O despertar das plantas]. Redon aproveitou em suas obras o potencial perturbador dessas “metamorfoses”, o que facilmente se observa em sua impactante Flor com cabeça de criança (c. 1885).


Há ainda muitas outras imagens instigantes em Un Autre Monde: as ilustrações do capítulo Cristallisations, Pétrifications, Stalagtites, como essa que mostra um jardim de dados, pirâmides e obeliscos, pois o narrador teoriza que “O homem colheu suas mais graciosas e mais engenhosas invenções nos caprichos da natureza”, ou seja, pirâmides e que tais são meramente cópias de formas naturais. Há também as engraçadas ilustrações para o capítulo Une journée à Rheculanum, em que Hahblle visita uma antiga cidade romana que curiosamente lembra muito a Paris de seu tempo – é assim que mostra um Zeus, à semelhança daquele de John Flaxman, depois citado por Ingres, bebendo em um café.


Faz muito que perdi a ilusão de que as escolhas feitas pelo tempo são todas justas e meritocráticas, ou seja, de que os cânones culturais que adotamos hoje de fato refletem tudo o que de melhor foi produzido nas diferentes áreas artísticas (literatura, artes, etc.). Acho mesmo chocante perceber o quanto o acaso e circunstâncias contingenciais são responsáveis pela eleição de uns e pelo esquecimento de outros. Grandville, com sua biografia de artista romântico (morreu louco, em um hospício), certamente foi injustiçado pelo tempo. A boa notícia é que não há mal que sempre dure: eu, aqui no inverno de Porto Alegre, o amo muito, e me uno em silêncio a todos aqueles que, por acaso, todos os dias, descobrem o seu maravilhoso trabalho.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Ruskin, algoz dos Carracci

sexta-feira, 18 de junho de 2010

No ano de 1603, na cidade de Bolonha, é publicado às expensas “Dagli Incaminati, Academici dei disegno”, um livreto intitulado Il funerale d’Agostin Carraccio, contendo os projetos para o monumento funerário em homenagem a Agostino Carracci (1557-1602) – alguns dos desenhos ilustrativos, parte do planejamento da iconografia que deveria ser utilizada na obra, podem ser vistos aqui – e também a Oratione de Lutio Faberio, Academico Gelato in morte d’Agostin Carraccio. É nesta última, o elogio fúnebre formulado pelo acadêmico Faberio, que irei a princípio me deter. Faberio nos mostra, sempre com o tom de admiração que convém à ocasião em linhas gerais, os mais importantes momentos da carreira de Agostino: seus estudos iniciais e o amor pelo desenho, as aulas que teve com Prospero Fontana (1512-1597), pai da célebre pintora Lavinia Fontana (1552-1614), o aprendizado da escultura, o amor pelas mais variadas ciências, pela matemática, filosofia e astrologia, e também pela geografia, o talento musical, com o qual animava os momentos de recreação junto aos amigos. Em 1582, o jovem Agostino, então com 25 anos, funda, juntamente com o irmão Annibale (1560-1609) e com o primo Lodovico (1555-1619), uma escola de desenho que seria conhecida como Academia degli desiderosi [Academia dos Desejosos], devido à renomada curiosidade artística e intelectual desse “triunvirato”. Tal Academia mais tarde se converteria na Academia dagli Incaminati, a mesma que, como vimos acima, promove as homenagens póstumas a Agostino.


Assim como seus outros companheiros de Academia (entre eles Annibale, seu irmão, que irá se tornar o mais famoso dos acadêmicos), Agostino adotava a prática de pintar a partir da observação direta da natureza, algo que ainda não era tão facilmente aceito. Na época predominava a noção de que o verdadeiro artista deveria ser capaz de desenhar de memória, e veremos, aliás, essa disputa entre observação e memória avançar o século XIX. Essa prevenção esclarece a necessidade sentida por Faberio de justificar o fato de Agostino ser um “imitador”:

“uma coisa apenas me bastará para o argumento do grande engenho do Carracci, isto é, que para ter sido julgado em sua honrosa profissão judicioso imitador das coisas artificiais e naturais, mereceu o nome de grande e admirável pintor. Não sem cuidado o chamo de judicioso imitador: porque ele, considerando que a Pintura é objeto dileto do olho humano, aplicava sempre a imitação do melhor modo, guardando-se do erro de muitos que amam sobretudo a semelhança [...]” (tradução minha).


Podemos olhar para algumas obras de Agostino Carracci a fim de compreendermos melhor, na prática, o alcance desse conceito de imitação: na folha de estudos, nos esboços de paisagem e de animais como o cavalo, na pintura que retrata servos e cães vemos os resultados do desenho de observação, mediado, no entanto, pelo juízo do artista, que segue com a liberdade de atenuar aspectos considerados inadequados, ou reforçar pontos que julgue merecer destaque, a bem da composição, conforme insistirá, em sua Oração, o próprio Faberio.


Pois Agostino, além de pintor, amante das ciências, da filosofia e tudo o mais que já vimos, também compunha poemas. Em um deles, afirma que “aquele que quiser ser um bom pintor deve adquirir o desenho da forma, a sombra e a ação veneziana, e as dignas cores da Lombardia; a terrível maneira de Michelangelo, a verdade natural de Ticiano, etc.” (tradução minha).



Bom, mal sabia ele o tipo de fama que esse trecho ainda haveria de lhe trazer. Ao invés de imitador/observador da natureza, ele e seus companheiros de academia serão rapidamente classificados, já por alguns contemporâneos, como aqueles que imitam a maneira dos velhos mestres, tomando em cada um deles alguns traços estilísticos. Em outras palavras, desprovidas de estilo próprio marcante, suas obras seriam caracterizadas como uma verdadeira colcha de citações de artistas do passado. Tal interpretação resultaria no nascimento, no âmbito da crítica e da história da arte, do rótulo “Escola Eclética de Bolonha”.

De todo modo, a fama dos pintores de Bolonha continuará forte até o século XVIII. Mas no século XIX surgem algumas pedras no caminho. Uma delas atende pelo nome de John Ruskin (1819-1900), o maior crítico de arte inglês do período vitoriano. Pois Ruskin, desde a juventude, será um dos mais ardentes defensores da retomada do gótico nas artes. Apoiará os Pré-Rafaelitas, lerá Auguste Pugin, e chegará mesmo a se converter ao catolicismo. Pois Ruskin tinha horror à Escola Eclética de Bolonha, o que fica manifesto em alguns trechos de sua vasta obra: no segundo volume de Modern Painters (1845), em que menciona pejorativamente o “ecletismo de Guido e dos Carracci”, e na resenha ao livro de Lord Lindsay, The history of Christian art (1847), em que a certa altura escreve, também depreciativamente, “Isso é mero ecletismo bolonhês, em outras palavras…”. Em primeiro lugar, Ruskin pretende elaborar uma abordagem científica da paisagem e da observação e representação da natureza, e não consegue ver nada além de maneirismo e ecletismo nas paisagens dos Carracci. Em segundo lugar, para Ruskin a grande arte é a arte religiosa, e a dimensão profana de parte das obras dos Carracci (Agostino ficou conhecido pelas gravuras eróticas, como essa que reproduzo aqui), conhecida de todos, dificilmente o agradaria.

Ruskin, com essas rápidas menções, causou grandes danos à fama dos Carracci e dos bolonheses, e também a pintores posteriores, como Salvator Rosa (1615-1673), que também execrava. Ruskin foi uma das figuras-chave para a formação do cânone das grandes obras que consumimos até hoje, seja em livros didáticos, seja em revistas e material de divulgação. Ele tem algo a ver com o fato de ouvirmos falar mais até dos pré-rafaelitas do que dos Carracci.

Mais uma vez, contudo, justiça seja feita: no século XX paulatinamente os Carracci tornaram a ser alvos privilegiados dos estudos (pelo menos dos eruditos) de história da arte, na mesma medida em que a crítica de Ruskin passou a ser relativizada. Já em 1906 Camillo Von Klenze, em The growth of interest in the early italian marsters from Tischbein to Ruskin, critica a arbitrariedade do julgamento de Ruskin no que se refere aos Bolonheses, e em 1953 Denis Mahon, em um artigo publicado pelo jornal do Instituto Warburg, Ecleticism and the Carracci: further reflections on the validity of a label, irá procurar afastar de vez o rótulo de ecléticos, comumente aplicado aos Carracci, através do exemplo de Annibale, segundo ele menos bem-sucedido do que Caravaggio no estabelecimento de um marketing pessoal que tornasse evidente, a seus contemporâneos, as características únicas de seu estilo artístico – a tradução novamente é minha: “O que o próprio Annibale desejava era ser julgado por si mesmo, sem referência aos velhos mestres”.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Hipátia de Alexandria e seus fãs

terça-feira, 15 de junho de 2010
Hipátia segundo Rafael, Escola de Atenas, 1509-1510

Neste semestre, em História da Cultura I, um de nossos temas foi Hipátia de Alexandria. Tomei conhecimento de sua impressionante história lendo Um ofício perigoso, de Luciano Canfora. O capítulo que dá nome ao livro é justamente sobre ela. A Hipátia de Canfora tem tudo para arrebatar as imaginações dos amantes da cultura e do conhecimento: bonita e brilhante, professora na escola neoplatônica de Alexandria, amiga de Orestes, tolerante com relação aos pagãos e prefeito da cidade, virtuosa, perita em matemática e astronomia, inventora do astrolábio (aqui não posso deixar de pensar, também de modo romanesco, que Heloísa, ao batizar de Astrolábio seu filho com Abelardo, tinha em mente a filósofa alexandrina), filha de Téon de Alexandria, provavelmente o último intelectual ligado ao famoso Museum. Assim como me interessou, conclui que sua história poderia também interessar aos alunos. Há ainda o apaixonante componente melodramático da trama: Orestes, o prefeito, tinha por inimigo São Cirilo que, julgando culpa de Hipátia tal inimizade, teria enviado um grupo de fanáticos monges do deserto, os parabolanos, atrás da filósofa, que terminou sendo por eles cruelmente linchada a golpes de cacos de tijolos ou pedaços de conchas (os relatos divergem), até ter o corpo todo feito em pedaços e depois queimado. Canfora recorre às fontes disponíveis, que são bem poucas: a História Eclesiástica de Sócrates o Escolástico, a Vida de Isidoro de Damáscio, um extrato da História Eclesiástica de Filostórgio, preservada na Biblioteca do patriarca Fócio. Desses foram contemporâneos dos fatos Sócrates e Filostórgio, e Canfora cita também um texto bem mais recente e amplamente conhecido (nem que seja de oitiva): a History of decline and fall of Roman Empire, de Edward Gibbon (1776), que igualmente culpa Cirilo pelo assassinato.

Decidi investigar um pouco mais. Trabalho com literatura, logo reconheço a encantadora beleza das tramas “redondas” do melodrama, baseadas no esquema, popular depois de Richardson, da virtude perseguida pelo vício. Mas, por outro lado, também trabalho com história, o que me deixa sempre com a pulga atrás da orelha, porque essas formas “nocionais”, perfeitamente redondas não são facilmente encontradas na natureza, tampouco nos “eventos históricos”. Em poucas palavras, o que fiz? Resolvi ler um tanto mais sobre Hipátia. Adianto que a tarefa é hercúlea, porque muito se escreveu sobre ela, especialmente a partir do XVIII, então fiz uma pequena seleção. Vejamos, agora, que imagem de Hipátia surgirá dessas novas leituras.

Descobri um texto muito curioso do começo do século XVIII (não sei a data precisa, tenho a cópia de uma edição de 1720), chamado Hipátia, ou a história da mais bela, virtuosa, erudita, e em todos os sentidos brilhante Dama, que foi feita em pedaços pelo Clero de Alexandria, para gratificar o orgulho, emulação e crueldade de seu arcebispo, comumente mas imerecidamente chamado de São Cirilo. O autor de tal bombástico título é John Toland (1670-1722), um livre-pensador irlandês, influenciado por Locke, que defendia várias ideias esclarecidas em sua época e que atacava sistematicamente a religião, como pouco depois também fariam iluministas como Voltaire. Pois Toland afirma que Hipátia era instruída nas ciências mais difíceis, segundo o senso comum destinadas apenas à capacidade intelectual dos homens, e que tal noção não passa, na verdade, de um “prejuízo vulgar, o vasto número de Damas que em cada época se distinguiram por suas profissões ou performances no Estudo, oferece um argumento incontestável” (tradução minha). Condena também o clero alexandrino por sua morte, e aproveita para ressaltar que a corrupção e ignorância do clero continuavam fortes, por exemplo, na Inglaterra de seus dias. Toland não ficou sem resposta. Thomas Lewis reagiu, em 1721, com A História de Hipátia, a mais despudorada professora de Alexandria: assassinada e reduzida a pedaços pelo populacho, em defesa de São Cirilo e do Clero Alexandrino. Thomas Lewis, como Toland, também consultou as fontes, e descobriu no Suda (a famosa enciclopédia medieval do século X) um episódio que, segundo ele, confirmaria o mau caráter da filósofa. É a seguinte a história que nos conta: cortejada por um aluno,

“sem tentar argumentar com ele como uma [filósofa] platônica, recorreu a um estratagema para por fim à corte que acredito que teria ruborizado a mais comum prostituta de Veneza [...]. Tal era a modéstia, tal era a Virtude de Madame Hipátia” (tradução minha).

Thomas Lewis não ousou explicitar que estratagema era esse, mas aqui não teremos tantos pudores: Hipátia teria tirado os panos que usava para conter o sangue menstrual e os mostrado ao perplexo estudante, a fim de deixar evidente o quão impuros eram esses contatos carnais que o jovem pretendia levar a cabo. Lewis se chocou com semelhante “metáfora”.

No século XIX, o romance mais famoso sobre Hipátia é o de Charles Kingsley (1819-1875), Hypatia (1852-1853), que transforma São Cirilo em uma arquimaquiavélica figura do mal, mas que procura, como bom produto vitoriano, atenuar o paganismo da heroína, através do envolvimento imaginário entre ela e um cristão.

Em nossos dias, além de Canfora, temos inúmeras tentativas de conhecer a Hipátia histórica, e destaco a de Michael Deakin, Hypatia and her mathematics (1994), em que procurou recensear o que realmente se sabe sobre sua atuação como matemática e os fatos essenciais sobre sua vida, como datas de nascimento e morte (c. 350-c. 415, segundo a estimativa do autor). Deakin conclui que Hipátia provavelmente seguiu os passos do pai, um famoso comentador de textos científicos, e que, mais do que criar teorias, comentava e analisava aquelas já existentes, a fim de discuti-las com seus alunos. O astrolábio, por exemplo, ela reformulou, mas não inventou.

Mesmo São Cirilo, bem pouco popular na fortuna crítica sobre Hipátia, ganhou alguns defensores contemporâneos. Assim, J. A. McGucvkin, em Saint Cyril of Alexandria and the Christological Controversy, atribui o ônus da violência da qual Hipátia seria vítima a Orestes. Inimigo de Cirilo, como já vimos, Orestes teria torturado em praça pública um cristão seguidor de São Cirilo. Vários outros cristãos também teriam sido assim martirizados, o que por sua vez teria ocasionado o levante da população cristã que culminou com a morte de Hipátia. São Cirilo e seus seguidores parabolanos, portanto, nada teriam a ver com isso.

Agora que sei que talvez Hipátia tenha sido uma brilhante professora, mas não necessariamente uma brilhante teórica da matemática, que o astrolábio não é uma invenção exclusiva sua, que talvez ela tenha sido morta com mais de 60 anos, e não na flor de idade, que talvez Cirilo não tenha sido seu algoz, confesso, ainda assim, que continuo me alinhando entre seus fãs, e dessa posição não sairei mesmo que descubram, algum dia, como ocorreu com Cleópatra, que ela não era tão bonita quanto se dizia.

sábado, 12 de junho de 2010

A história se repete: jovens rebeldes dos anos 1860 e 1960

sábado, 12 de junho de 2010

Podemos ver na foto que reproduzo acima alguns anarco-situacionistas instalando uma cópia de uma estátua de Charles Fourier (1772-1837) na Place Clichy, em Paris. Eles podem ser considerados como ícones dos jovens rebeldes dos anos 1960, pois integravam um grupo marxista criado na França em 1957, a Internacional Situacionista, que apresentava Guy Debord (1931-1994) como porta-voz e que teria fundamental importância nos tão conhecidos eventos de maio de 1968. Mas prestemos atenção em um detalhe, também ele emblemático: de quem era mesmo a estátua que instalavam? De Fourier, um socialista utópico francês que começa a publicar suas teorias acerca de uma sociedade ideal em 1808. Jovens rebeldes dos anos 1960 cultuando uma figura do século XIX, não é curioso? Na verdade, rigorosamente falando, não, se cometermos aqui um pequeno truísmo: Marx também é do mesmo século.

De todo modo, insistamos nesse ponto, na relação intelectual entre velhas e novas gerações. Timothy James Clark, o historiador da arte hoje tão conhecido pelos brasileiros, uma vez que várias de suas obras foram traduzidas para o português, também foi jovem nos anos sessenta. E jovem politicamente engajado: nascido em 1943, em 1966, aos 23 anos, entra para o braço inglês da Internacional Situacionista. Em maio de 1968 Clark estava na França, coletando material para sua pesquisa de doutorado, que renderia dois livros bombásticos, responsáveis pelo início de sua fama como historiador de arte, The Absolute Bourgeois: Artists and Politics in France, 1848-1851 e Image of the People: Gustav Courbet and the Second French Republic, 1848-1851 (infelizmente ainda não traduzidos para o português). Clark faz vaga alusão a esse contexto político no Prefácio de Image of the People, mas seu texto é mais explícito: quando acompanhamos sua análise da atuação e da obra do jovem pintor realista Courbet, engajado na Revolução de 1848 (e que mais tarde se engajaria também na Comuna de Paris), torna-se evidente que o jovem intelectual esquerdista dos anos 60 deixa um pouco de si em seu objeto de estudo, e cria uma espécie de ligação metafórica e subliminar entre esses dois apaixonados momentos políticos. Mas Clark está naquele período sintonizado com os jovens rebeldes das décadas de 1840 e 1850, e eu, simplesmente talvez pelo gosto de detectar padrões, essa garantia formal da beleza do pensamento, irei me deter ora em diante nos jovens rebeldes da década de 1860, os que integram minha modesta coleção, cujas semelhanças com aqueles seus famosos sucessores já algumas vezes me deram o que pensar.

Angelo Agostini (1843-1910) não costuma ser apresentado como rebelde, mas consideremos fatos, e não rótulos. Criado em Paris, ele chega ao Brasil em 1859, acompanhando a mãe, Raquel Agostini, uma cantora lírica. Com apenas 21 anos cria o primeiro periódico em que irá veicular suas ilustrações e caricaturas, O Diabo Coxo (1864-1865) – impossível não sentir no título o eco do irreverente Le Diable à Paris, publicado em Paris na década de 1840 e depois reeditado na década de 1860, que também dedicava generoso espaço às caricaturas. Aos 24, está às voltas com novo periódico, O Cabrião (1866-1867), mais de uma vez empastelado pelos incomodados com as críticas sardônicas, em geral de fundo político, veiculadas nas caricaturas. Em 30 de janeiro de 1869 Agostini edita o primeiro capítulo desse personagem tipicamente brasileiro, o Nhô Quim, cuja graça vem do espanto que sente diante das inovações que chegam ao Brasil com velocidade cada vez maior – aqui podemos ver como se sai diante desse grande símbolo do progresso industrial, o trem.


A rebeldia dos jovens dos anos sessenta pode não ser política e exteriorizada. Ela pode ser interior, filosófica. William James (1842-1910) nasceu apenas um ano antes de Agostini, e em 1 de abril de 1865 embarcou em Nova York rumo ao Brasil aos 23 anos, junto com a Expedição Thayer, liderada por Louis Agassiz e sua esposa, Elizabeth. James estava no segundo ano da Ano da Harvard University’s Medical School, pagou a viagem do próprio bolso e apresentou-se como coletor voluntário. James não era um tipo exatamente atlético, e decidir empreender uma grande viagem a um local tido como “selvagem” certamente exigiu um notável espírito de aventura. Essa viagem, que quase lhe custou a vida, pois contraiu no Brasil varíola, foi registrada em seus diários e cartas (como se pode conferir na excelente edição bilíngüe organizada por Maria Helena P. T. Machado, Brazil through the eyes of William James: Letters, Diaries and Drawings 1865-1866), e teve impacto na mudança de rumo em sua carreira e na posterior formulação de sua filosofia (ele é o pai do pluralismo – quem já não viu essa palavra empregada em nossos dias, especialmente nos textos sobre arte?), impacto que ainda está por ser dimensionado.


Em Paris, outras rebeldias, agora de gênero. Berthe Morisot (1841-1895) aplicou sua juventude à pintura, e não àquela de temas necessariamente femininos. Jovens pintoras começam a surgir em quantidade cada vez maior, e essa informação é digna de nota, em geral contando com o suporte moral e financeiro de suas famílias. As palavras do professor de pintura de Morisot, em carta dirigida à mãe da artista, resumem bem o impasse que se fazia sentir na escolha de semelhante carreira por parte de uma mulher:

"Considerando o caráter de suas filhas, meu ensinamento não irá dotá-las de habilidades menores para desenho de salão; elas irão se tornar pintoras. Você percebe o que isso significa? Para a classe alta a que você pertence, isso será revolucionário. Eu deveria quase dizer catastrófico. Você está certa de que não amaldiçoará o dia em que a arte, tendo sido admitida em sua casa, agora tão respeitável e pacífica, se tornará o único árbitro do destino de duas de suas filhas?"

Finalmente, passemos à Rússia. Difícil encontrar um lugar mais favorável à nossa busca por jovens rebeldes dos anos 1860. Vou me restringir a duas irmãs. Dostoiévski (por sua vez um jovem rebelde dos anos 1840, que como todos sabem pagou muito caro por sua rebeldia ao ser enviado para a Sibéria – experiência relatada em Recordações da Casa dos Mortos) se apaixonou em 1865 pela mais velha delas, Anna Korvin-Krukovsky (1843-1887), escritora, filha de um general, que abraçou a filosofia dos “Homens Novos”, os raznochintsy, ou niilistas, defensores da razão e da ciência contra o idealismo romântico – na França, mal e mal podemos considerar como equivalente a geração realista de Courbet e Champfleury, um pouco anterior. Pois Anna, algum tempo após dispensar Dostoiévski (que a imortalizará como a impetuosa e ao mesmo tempo impertinente Aglaia de O Idiota), irá se casar com um radical francês chamado Victor Jaclard (1840-1903), amigo de Marx – Anna (agora Anna Jaclard) chegou a traduzir partes de O Capital para o russo. Ambos participarão ativamente da Comuna de Paris e terão de partir para o exílio.

A irmã mais nova, Sophia Korvin-Krukovsky (1850-1891), era apaixonada por Dostoiévski que, como vimos, tinha olhos apenas para Anna. Pois foi Sophia que se tornou a personagem mais famosa de seu meio: vencendo a resistência da família, conseguiu proporcionar a si mesma uma educação científica muito rara para a época, e se tornou a primeira mulher a obter doutorado em Matemática na Rússia. Casou-se com o editor niilista Vladimir Onifreivich Kovalevsky e defendeu com insistência o acesso das mulheres ao ensino superior.

Olhando para essas fotos gastas, antigas, em preto e branco, posadas, de perfil, é difícil imaginar qualquer tipo de rebeldia nesses jovens de 1860. Mas acabamos de notar que a rebeldia está lá – eis mais um exemplo de como a imagem pode ser limitada quando se trata de mostrar não o corpo, mas o pensamento. Tampouco conseguimos ver nas imagens a infantilidade e inconseqüência de que essa geração será por alguns acusada (Dostoiévski está entre os acusadores, bem entendido). Os jovens de 1960 receberão críticas semelhantes, mas bem colocados academicamente (cem anos, afinal, fazem alguma diferença, os de 1960 aparentemente obtiveram prestígio mais rapidamente e com mais facilidade do que os de 1860), terão a oportunidade de a elas responder. É o que fazem o há pouco citado T. J. Clark e Donald Nicholson-Smith em um artigo publicado na October n. 79 (1997), intitulado Why art can’t kill the Situationist International [Por que a arte não pode matar a Internacional Situacionista], onde recusam veementemente que se aplique ao movimento do qual participaram na juventude o rótulo de “esquerdismo infantil”.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Eu não fui a Portugal de navio

quarta-feira, 9 de junho de 2010
A editora Cambridge Scholars Publishing, criada por um grupo de intelectuais que freqüentou a Universidade de Cambridge, disponibiliza em seu site, a quem interessar possa, as primeiras páginas de um dos livros de seu catálogo, publicado em fevereiro de 2008: Teaching Art History with New Technologies: reflections and case studies [Ensinando história da arte com novas tecnologias: reflexões e estudos de caso], de Kelly Donahue-Wallace, Laetitia La Follette e Andrea Pappas. Este livro é uma novidade se considerarmos que poucos são os que se debruçam sobre o ensino de história da arte em cursos de graduação. Vale a pena consultar os sites de dois grupos de professores que há alguns anos pesquisam o tema, indicados pelas autoras: na Inglaterra, Computers and the History of Art (www.chart.ac.uk, e especialmente www.chart.ac.uk/vlib/, uma desesperadora central de recursos para o ensino de história da arte) e nos Estados Unidos, Art Historians interested in Pedagogy and Technology (AHPT – www.ahpt.org ).

Lendo o texto introdutório, algumas informações me chamaram a atenção. A maior parte dos professores que realizam experimentos com novas tecnologias no ensino de história da arte (bom, esse é o foco do livro) trabalha com turmas de início de curso. Há alguns bons motivos para isso: se há algumas décadas os que estudavam história da arte vinham de classes economicamente privilegiadas e as turmas eram pequenas, com a atual ampliação de vagas e com a democratização do acesso ao ensino o cenário mudou bastante. Em muitas universidades americanas e européias os professores dos semestres iniciais se vêem diante de grandes turmas, compostas por alunos que, em sua maior parte, têm pouca ou nenhuma experiência com arte e sua história. Tais alunos esperam deixar o curso como verdadeiros profissionais da história da arte, e nos primeiros semestres precisam assimilar uma quantidade avassaladora (e talvez, por isso mesmo, desestimulante) de informações. Situação neste aspecto muito semelhante à nossa. Nós agora contamos com alguns cursos de História da Arte no país, e nos semestres iniciais ministramos disciplinas como essa que ministro agora, História da Cultura I, com um conteúdo muito extenso, que parte da Antiguidade e vai até o final da Idade Média.


Mas há uma pequena diferença (vou me concentrar apenas em uma, mas claro está que há muitas outras) com a qual nós, aqui, ainda temos de lidar: a nossa posição periférica. A História da Arte é uma disciplina essencialmente internacional. Podemos nos especializar em artes nacionais (do Brasil, dos Estados Unidos, da Argentina...), mas nosso poder de fogo teórico sempre será limitado se não considerarmos também o que ocorre nos grandes centros do mundo, com os quais tais artes locais se comunicam tanto teórica quanto estilisticamente. Isso significa que, dependendo de nosso enfoque de estudos, pode fazer grande diferença observar as obras ao vivo e a cores, e não apenas através de reproduções. Sim, porque o nosso estudo de história da arte não-nacional (escrevo assim para me poupar de enumerar a arte africana, asiática, européia, etc) é baseado no estudo de reproduções, o que nos obriga a insistir sobre alguns aspectos (características composicionais, alguns significados iconográficos, emprego das cores – ainda que nesse último caso pisemos em areia movediça, porque as cores são bastante distorcidas nas reproduções; não estranha que Wölfflin, com uma abordagem formalista, ainda seja tão empregado) e calar sobre outros (características físicas da obra, aquelas estudadas pelo connaisseur, pincelada, técnicas, e também sobre muito da contextualização histórica mais aprofundada, que exigiria bibliografia que muitas vezes ainda nem foi traduzida para o português). Talvez uma parcela significativa de nossos alunos nunca tenha a oportunidade de ver o original das obras que estudou através de reproduções, e mesmo os professores muitas vezes trabalham com a imagem de obras que não puderam conhecer em seus contextos museais.

De todo modo, aqui como lá temos uma massa de estudantes calouros que ficam na penumbra, que buscam inspiração, segundo as palavras dos autores do livro, na “arte no escuro”, nas longas exibições de slides e, mais recentemente, power points. O problema desses métodos é que, se o aluno não é “inspirado”, ele correrá o risco de, no fundo da sala, “inspirar e expirar” gostosamente, em uma reparadora soneca. Levante a mão o professor de história da arte que, exibindo slides e power points, nunca fez um aluno dormir.

Para evitar o fenômeno dos calouros passivos vagarosamente se instala, no ensino da história da arte, a experimentação de novas tecnologias que enfatizem a aquisição de habilidades. Assim, aos poucos os professores começam a se habituar ao uso do Moodle e mesmo do Second Life a fim de tornar suas aulas mais dinâmicas.

Duas breves conclusões, então: não nos desesperemos se não há como ir de avião, navio ou bicicleta à Europa cada vez que estudamos, por exemplo, arte antiga e medieval, pois as autoras do livro garantem que “A história da arte envolve mais do que olhar; ela pede que os estudantes pensem sobre o que observam” (tradução minha). Claro que nos EUA esse problema é resolvido parcialmente em algumas instituições através da realização de excursões cuidadosamente planejadas. Também não nos desesperemos se as revoluções tecnológicas em sala de aula demoram a chegar. Elas não são milagrosas. Lembremos que Aristóteles, quando dava aula, não contava nem mesmo com um bastão de giz, e o que nos restou de seu pensamento vem das anotações de seus alunos, sinal de que prestaram atenção. Quanto ao sono causado pela “arte no escuro”, que tal um café?

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Pierre Bayle, como contê-lo?

segunda-feira, 7 de junho de 2010
Até ler As origens trágicas da erudição – Pequeno tratado sobre a nota de rodapé, de Anthony Grafton, há quase dez anos atrás, eu era perfeitamente ignorante acerca da existência de Pierre Bayle. Grafton, mais um autor que não sai de minha cabeceira, neste livro teve a inusitada idéia de analisar as caudalosas notas de rodapé redigidas por Bayle. E nós com isso? Que relação pode ter o literariamente incontido Pierre Bayle com a história da arte e da cultura? Não percam a paciência, há uma certa lógica aqui.

Pierre Bayle (1647-1706) é um dos pais da crítica moderna, nada menos do que isso. Com uma energia verdadeiramente messiânica que eu apenas tornaria a ver em Balzac, ele, protestante francês, achou necessário responder ao ambicioso dicionário do católico Louis Moréri (1643-1680), com um dicionário ainda mais ambicioso, um dicionário que fosse ao mesmo tempo “contra-dicionário”, que apontasse todos os erros cometidos por variados pesquisadores (especialmente os católicos) no registro e relato de personagens e enredos históricos. Outros já haviam criticado minuciosamente textos, como Thomas Morus (1478-1635), de quem Bayle era grande admirador. Mas um dicionário em muitos volumes, compulsivamente escrito e discutido (a rede de correspondentes de Bayle era impressionante), em que cada discrepância de dados ou nomes é descrita em detalhes em quilométricas notas de rodapé, esse seria um feito para causar espécie e entrar para a história.


Em 1692 Bayle, então com 45 anos, esboça o projeto da obra, intitulado Projet et fragments d’un dictionnaire critique, que dedica ao Sr. Du Rondel, “Professor de Belas-Letras em Maestrich”. Já no primeiro parágrafo anuncia com clareza a que veio:

“Senhor, o Sr. sem dúvida se surpreenderá com as resoluções que acabo de tomar. Coloquei na cabeça compilar a maior antologia que me for possível dos erros que se encontram nos Dicionários, e de não me restringir a esses espaços por mais vastos que sejam, mas também percorrer todos os tipos de Autores, quando se apresentar a ocasião”.

Talvez coremos um pouco com a vastidão dos campos intelectuais que Bayle pretendia explorar naquela época, nós, que temos de nos confinar aos cercadinhos de nossos projetos de graduação, de dissertação e de tese. Pois esse foi o tempo heróico dos desbravadores intelectuais, tão audaciosos quanto Marco Polo explorando a China.

Mas não pensemos que Bayle encarava ingenuamente essa tarefa ciclópica. Ele antecipa as críticas (traduções sempre minhas): “[procurar tantos erros nos textos históricos] é pior do que combater monstros; é querer extirpar as cabeças da Hidra, é ao menos querer limpar os estábulos de Augias”. Recapitulando, essa era uma das tarefas de Hércules, limpar pela primeira vez os estábulos do rei Augias, com seus muitíssimos hectares de estrume.


Mesmo assim, Bayle prosseguiu com seu intento, igualmente consciente de que sua tarefa não se resumiria a uma ou duas páginas – o que fica claro na historieta contada na primeira nota de rodapé do Projeto, que reproduzo abaixo, na íntegra:

“Ouviu-se dizer que o Sr., tendo pedido um dia a um sábio, entre seus amigos, que marcasse sobre algum pequeno pedaço de papel os erros que notasse em seu Dicionário [o de Moréri], teve por resposta que seria preciso mãos e resmas de papel, e não pequenos pedaços”.


O resultado do esforço febril de pouco mais de dez anos de trabalho foram os vários volumes do Dictionnaire Historique et Critique, reeditado incontáveis vezes no século XVIII e leitura obrigatória dos filósofos iluministas. No primeiro volume, o primeiro verbete é dedicado a Aarão, irmão de Moisés, e entre os tantos erros encontrados nos relatos sobre o personagem, Bayle elenca um bastante curioso:

“De modo algum creio que se deva dizer que Deus suspendeu em favor de Aarão a ação do fogo, assim como a favor dos três hebreus que foram lançados na fornalha da Babilônia” (tradução minha, de novo, as notas de rodapé, maiores que o verbete, ficam de fora).

Eis a síntese de seu espírito crítico. Nenhuma idéia sem verificação, nenhum fato que não seja virado do avesso para facilitar a análise. Difícil avaliar o peso da sua influência. O que nos interessa especialmente é saber que Johann Joachim Winckelmann (1717-1768) leu o Dictionnaire inteiro (não apenas leu, mas anotou todos os volumes – tornarei a esse assunto futuramente, em Sim, Winckelmann lia Bayle). E Winckelmann foi traduzido por Fuseli, e usado por todos os historiadores da arte britânicos que se prezassem, até Walter Pater; Ernst Gombrich, por sua vez, é o elo mais recente dessa tradição, o que mais diretamente nos toca. Mas lá no fundo sempre está o caudaloso Bayle. Como contê-lo?. E, por outro lado, como evitá-lo? A História da arte e da cultura passeia no “vasto campo” da crítica, e quem lá rodopiou pela primeira vez, medindo e demarcando o terreno, com mais leveza e ao mesmo tempo com mais fúria, foi Bayle.

sábado, 5 de junho de 2010

Loutherbourg e o cinema “à corda”

sábado, 5 de junho de 2010

Como eu já havia mencionado em outra postagem (Becoming Popular...), o ator shakespeariano David Garrick morreu em 1779. Em seus últimos anos de palco ele contou com a inestimável ajuda de Philippe-Jacques de Loutherbourg (1740-1812), pintor suíço radicado na Inglaterra que desde 1771, além de se dedicar à criação de paisagens (seu pai também pintava, era miniaturista), inventava ainda engenhocas mecânicas na tentativa de dar vida ao que parecia apenas pintura. Melhor do que “dar vida”, eu deveria escrever “tornar real”. Estava em voga a busca por paisagens exuberantes, as pessoas ansiavam perder o fôlego diante da natureza, o que se fazia sentir com especial força na Suíça. Muitos eram os viajantes que buscavam nos Alpes esses sentimentos vertiginosos. Alguns estavam preparados virtualmente para tal busca por terem se alimentado com pinturas de paisagens, caso de Johann Ludwig Aberli, gravador especializado em vistas da Suíça, que foi aos Alpes em 1774: “Em nossas viagens às vezes ocorria que todos nós gritávamos ao mesmo tempo: Salvator Rosa! Poussin! Saveri! Ruisdael! Ou Claude (Lorrain)!, conforme os temas diante de nossos olhos nos lembrassem a maneira e escolha de um ou outro dos mestres nomeados” (tradução minha). Para ilustrar esse momento particular da relação imaginária com as paisagens virtuais e reais, coloco aqui uma litografia aquarelada intitulada Vue de la source de l’Arveron, de Carl Ludwig Hackert (1740-1796), outro artista suíço apaixonado pelos Alpes, e que nasceu no mesmo ano de Loutherbourg.

Tornemos, pois, ao próprio Loutherbourg. Esse precoce artista da iluminação (sua arte consistia justamente em iluminar as pinturas, feitas em tecidos transparentes, de modo que suas cores parecessem acompanhar a passagem da luz do dia) foi descoberto por Garrick, que o contratou para cuidar do cenário de suas peças. Entre outras providências, Loutherbourg cuidou para que os trajes usados pelos atores fossem historicamente corretos. O palco assim preparado causava grande impacto junto ao público. Macbeth iluminado com uma “luz misteriosa”, fantasmas de luz, ambientes sombrios nos quais focos e luz surgiam em momentos estratégicos da cena, tudo isso encantou aqueles que, desde pelo menos os escritos de Edmund Burke
(A philosophical inquiry into the origin of our ideas of the sublime and beautiful, de 1757) aspiravam ao sublime. Esse mundo noturno fantasmagoricamente iluminado irá repercutir intensamente nas pinturas dos membros da jovem Royal Academy (em especial nas obras de Fuseli).

Bom, repito que Garrick deixa os palcos, e morre em 1779. Seus sucessores no negócio fizeram uma tentativa de manter Loutherbourg como cenógrafo das peças, mas a proposta foi realmente pouco atraente: metade do valor que recebia de Garrick, pela mesma quantidade de trabalho. Loutherbourg teve outra idéia, abrir o próprio espetáculo, recorrendo ao que de mais moderno havia em termos de iluminação na época, e também a outros efeitos especiais ainda pouco explorados. Surge assim, em Londres, no ano de 1782, o Eidophusikon (“imagem da natureza”). O sucesso não poderia ter sido maior. O público, conduzido por esse “artista que deu movimento e realidade às cenas” (palavras de Ephrain Hardcastle, logo trataremos dele), se via em meio, por exemplo, a uma tempestade que parecia real: podiam ouvir os trovões (Loutherbourg acionava mecanismos que tangiam serrotes e tambores, a fim de obter as sonoridades desejadas), podiam observar ondas e o barco em movimento (acionados por outra das invenções de Loutherbourg, mecanismo composto de roldanas e cordas) e ainda acompanhar, no cenário, os efeitos da iluminação indireta das novíssimas lâmpadas de Argand (lembremos que elas haviam sido patenteadas em 1780), colocadas atrás dos panos transparentes pintados. As luzes das lâmpadas também eram modificadas com a adição de lentes de vidro coloridas, que faziam as vezes de filtros. Essa era, em suma, uma experiência total, capaz de envolver o conjunto de nossos sentidos, que atendia plenamente as expectativas românticas de imersão em uma realidade ao mesmo tempo mais nítida, mais intensa e mais profunda. Depois viriam, por essa mesma rota da experiência sublime total, os dioramas, os panoramas, o cinema.

O Eidophusikon e uma cena de Pandemonium
Aquarela de Edward Francis Burney

No meio artístico e intelectual vários eram os fãs do espetáculo: Joshua Reynolds, presidente da Royal Academy, e ainda os paisagistas, respectivamente em final e começo de carreira, Gainsborough e Turner. Tal admiração não bastou, porém, para impedir que o Eidophusikon tivesse de fechar suas portas em 1785. Certamente se tratava de um espetáculo muito cansativo para Loutherbourg – todos os efeitos precisavam ser acionados por ele, o que exigia um esforço atlético. Mas ao que consta o motivo do fechamento foi mais corriqueiro, mais banal: não havia público suficiente para custear o espetáculo, bastante dispensioso devido à iluminação de ponta utilizada. Loutherbourg continuou pintando, como podemos ver em suas telas Derrota da Armada Espanhola, 8 de agosto de 1588 (1796) e Uma avalanche (1803), e a sua história chegou até nós em grande medida através do relato de Ephrain Hardcastle, que publicou em 1821 suas memórias, Wine and Walnuts; or, after Dinner Chit-Chat, em dois volumes.


Derrota da Armada Espanhola



Uma avalanche

Uma última observação sobre Hardcastle: há uma série de dúvidas quanto à precisão das informações que apresenta nas memórias. Em primeiro lugar, seu nome verdadeiro é William Henry Pyne (1769-1843), um ilustrador e escritor inglês, autor de obras como The world in miniature, de onde tiro a litografia que fez de um bote salva-vidas. Teria mesmo assistido ele ao espetáculo de Loutherbourg, na adolescência? Além disso, vários dos “fatos” mencionados em suas memórias ele não poderia ter presenciado, pois alguns são até anteriores a seu nascimento. De todo modo, se não viveu, fato é que conviveu com várias figuras que podem ter lhe contado anedotas e histórias desse período. Em 1808 começa a escrever The Costumes of Great Britain, um empreendimento do editor de origem alemã Rudolph Ackermann (1764-1834), ilustrado por Thomas Rowlandson (1756-1827), responsável pelas figuras, e Auguste Charles Pugin (1762-1832), responsável pelos elementos de arquitetura. Rowlandson, por exemplo, assumido epicurista, conhecia a vida artística de Londres em suas múltiplas dimensões, das mais eruditas às mais boêmias. Como saber se não foi uma das fontes do anedotário de Hardcastle/Pyne? Independentemente do grau de precisão de Pyne, fiquemos tranquilos: Loutherbourg e o Eidophusikon não são, de modo algum, criações ficcionais.