domingo, 23 de outubro de 2011

Proust e a arte da guerra

domingo, 23 de outubro de 2011

Marcel Proust (1871-1922)

Lendo hoje o Segundo Caderno da Zero Hora de ontem, deparei-me com uma matéria de Luiz Antônio Araújo sobre a disciplina que a prof. Regina Zilbermann ministra no PPG em Letras da UFRGS. Isso me fez lembrar o segundo semestre de 2002, quando eu, aluna da prof. Zilbermann no PPG em Letras da PUCRS, apresentei em sua disciplina um trabalho sobre Proust (sim, lemos tudo, e em francês) intitulado Os muitos caminhos de Guermantes. Um dos subcapítulos de meu texto tratava justamente da guerra em Proust, em especial do modo como o autor a aborda no último volume dessa vasta obra. A guerra não era o tema da disciplina, e cheguei a ele levada por meus próprios interesses pelo assunto. Que bom ver, quase dez anos depois, tal insight da época ressurgir em uma perspectiva mais ampla. O que então escrevi, a título de curiosidade, coloco abaixo:

A ARTE DA GUERRA

Durante sua estadia em Doncières, o narrador conversa com Saint-Loup sobre teorias da guerra, e impressiona-se com o que chama de aspecto “estético” do planejamento das batalhas – o trecho é um tanto longo, mas merece ser reproduzido:

– [...] Tu me dizes que se copiam batalhas. Acho efetivamente estético, como dizias, vislumbrar sob uma batalha moderna outra mais antiga, nem sei dizer como me agrada essa idéia. Mas então não é nada o gênio do chefe? Não faz outra coisa senão aplicar regras? Ou então, para ciência igual, há grandes generais, como há grandes cirurgiões que, sendo os mesmos sob o ponto de vista material os elementos oferecidos por dois estados mórbidos, sentem no entanto por um nada, talvez tirado da sua experiência, mas interpretado, que num caso é preferível fazer isto, noutro caso aquilo, aqui convém operar, ali abster-se?

– Claro! Verás Napoleão não atacar quando todas as regras mandavam que atacasse, mas uma obscura adivinhação lho desaconselhava. [...]. Mas verás generais imitarem escolasticamente certa manobra de Napoleão e chegarem ao resultado diametralmente oposto (Proust, 2000, p.102).

A aproximação entre estética, ou, em outras palavras, entre arte e guerra poderia parecer, à primeira vista, fortuita, fruto de imaginação romanesca, mas se buscarmos subsídios seja entre teóricos de guerra, seja entre historiadores das idéias, veremos que tem fundamento. Maurice, conde de Saxe (1696-1750), no Avant-propos de seu Mes rêveries, um dos mais influentes manuais de tática e treinamento militar do século XVIII, já escrevia que “Todas as ciências possuem princípios e regras, menos a guerra”. Essa impossibilidade da guerra configurar-se como ciência é explicada pelo historiador e filósofo Isaiah Berlin por meio da aproximação entre grandes estadistas, estrategistas, romancistas e outros homens de “gênio”, pois todos eles

não podem comunicar seu conhecimento diretamente, não podem ensinar um conjunto específico de regras, não podem expressar qualquer proposição que tenham eventualmente estabelecido, sob uma forma em que possam ser facilmente aprendidas por outros [...], ou ensinar o método que, depois deles, qualquer especialista competente possa praticar, sem necessitar do gênio do inventor ou descobridor original (Berlin, 1999, p. 55).

Tanto na arte quanto na elaboração de estratégias militares a habilidade envolvida é a compreensão, ao invés do saber, trata-se de compreender a configuração de uma situação ou de um conjunto de eventos único, que não encontra similar exato no passado e nem irá se repetir identicamente no futuro, e a partir disso, dizer “o que combina com quê: o que pode e o que não pode ser feito em certas circunstâncias, que meios vão funcionar em tais ou quais situações e até que ponto” (Berlin, 1999, p. 55). Não podemos nos esquecer, contudo, que se essa aproximação entre arte e guerra sustenta-se com relativa facilidade quando a guerra que se imagina é aquela que ocorria até o final do século XIX, pode já não encontrar apoio tão seguro quando pensamos nas guerras do século XX, mundiais, totais, tecnológicas e de massa. Um rápido apanhado histórico sobre a evolução das teorias de guerra pode esclarecer essa dificuldade. Por muito tempo as teorias de guerra se resumiram a imitar táticas romanas. O já mencionado conde de Saxe, no seu manual publicado em 1757, em pleno Iluminismo, a partir de sua experiência na guerra contra os turcos procura mostrar como se poderia racionalizar a organização das tropas no que diz respeito a vestimenta, entretenimento, formação dos soldados e combate. O interesse por teorias da guerra é então crescente, o que explica a boa acolhida obtida pela tradução d’A arte da guerra, de Sun-Tzu, tradução feita pelo missionário jesuíta J.-J.M. Amiot e publicada em Paris em 1772 (provavelmente lida por Napoleão). O livro, escrito no séc. IV a.C., vê a guerra como matéria política e considera como estrategista de gênio aquele que tem talentos diplomáticos, que subjuga o exército inimigo com o dispêndio de um mínimo de recursos e de violência. As bases da guerra moderna, no entanto, encontram-se no pensamento do prussiano Carl von Clausewitz (1780-1831), diretor da escola de Guerra de Berlim. Em seu A guerra (Der Krieg) apresenta teoria onde a guerra subordina-se à política (“a política é a continuação da guerra”), teoria que posteriormente inspirou Ludendorff a criar o conceito de “guerra total”- conceito ampliado por Hitler. Só que aqui o mínimo de violência, ao contrário da teoria chinesa, não é mais o que se procura. Na guerra moderna os combates prosseguem até a exaustão total e as metas almejadas são ilimitadas. A guerra moderna, nas palavras de Hobsbawm, “envolve todos os cidadãos e mobiliza a maioria; é travada com armamentos que exigem um desvio de toda a economia para a sua produção, e são usados em quantidades inimagináveis; produz indizível destruição e domina e transforma absolutamente a vida dos países nela envolvidos” (Hobsbawm, 1995, p.51). O número de mortos também não se compara àqueles de outros tempos: enquanto na Guerra franco-prussiana em torno de 150.000 pessoas morreram, na Primeira Guerra Mundial só a França, por exemplo, perdeu aproximadamente 1.600.000 vidas. Portanto, quando as personagens de Proust aproximam guerra e estética, ainda têm em mente uma certa visão romântica da guerra. Não que a comparação tenha se tornado impossível, mas a partir da Primeira Guerra ela passa a exigir nova formulação – o peso das decisões de um único estrategista diminui, o poder dos que desenvolvem tecnologia aumenta, as estratégias já não são mais mosaicos de guerras antigas porque o conceito de guerra mudou radicalmente. No último volume de Em busca do tempo perdido, Le temps retrouvé, podemos perceber mais claramente o narrador lidando com a Primeira Guerra como se fosse uma guerra terrível, sem dúvida, mas uma guerra como as anteriores, em postura que se assemelha àquela que adota com relação às artes em geral: ao invés de comentar os movimentos contemporâneos, o narrador se refugia no passado e não avança além do impressionismo; ao invés de desenvolver uma nova estética que dê conta de um tipo inédito de guerra, prefere tratá-la como se fosse uma guerra entre tantas, uma guerra antiga, entre “cavalheiros” – preferências que mais uma vez reforçam um dos fortes leitmotivs do romance, a oscilação entre o histórico e o atemporal, entre o concreto e o idealizado.


segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Almeida Júnior avant et après l'Europe

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Almeida Júnior: Retrato de moça, 1871

Tout a commencé quand, en feuilletant le catalogue des Pinacothèques Aldo Locatelli et Ruben Berta (ouvrage de 2008 organisée par Ana Luz Pettini et Flávio Krawczyk), situées ici, à Porto Alegre, j'ai trouvé deux oeuvres d'Almeida Júnior. La première, Retrato de Moça (1871), et la deuxième, Auto-Retrato (1878). Les deux, qu'aujourd'hui font partie des fonds de la Pinacothèque Ruben Berta, sont loin d'être les plus fameuses oeuvres d'Almeida Júnior. Même comme ça, quand je les ai vue côte à côte, dans la même page, et quand j'ai perçu les dates de composition de chacune, je me suis étonnée moi-même : de 1871 à 1878, ça veut dire, au but de sept ans, un très court espace de temps, Almeida Júnior a passé, dans sa peinture, du XVIIIe au XIXe siècle.


La petite fille d'Almeida Júnior et la Pompadour de Boucher...


Je m'explique: quand j'ai vu le Retrato de Moça [Portrait de Petite Fille], je me suis rappelée de François Boucher (1703-1770). J'irais alors faire une très, très petite analyse du tellement fameux portrait de Madame de Pompadour, de 1759, dont je reproduis ici un détail. On doit faire attention à la façon de représenter la carnation, le format du visage, les lèvres, l'éclat typique des yeux clairs. Ces femmes (la petite fille et Pompadour) peuvent ne pas être identiques, mais à mon avis elles font partie, lato sensu, de la même famille stylistique. Aurait Almeida Júnior connu ces conventions à l'Académie Impériale des Beaux-Arts, où il entrait le 1869 ? Et ce style "Ancien Régime", aura-t-il arrivé ici avec la Mission artistique française pour être, après, mis "en conserve" ? Ou aura-t-il venu en plusieurs envois, en plusieurs voyages d'artistes brésiliens qui ont étudié à l'étranger ou d'artistes étrangers qui ont passé pour ou qui se sont établis au Brésil ?

Almeida Júnior: Autoportrait, 1878


Un tout autre univers pictural est ce qu'on trouve dans l'Autoportrait de 1878, époque où Almeida Júnior habitait à Paris depuis deux ans, comme pensionnaire du Empereur, et a été admis comme élève à l'École des Beaux-Arts. Boucher ici est remplacé pour Courbet, selon la majeure partie de la critique dévouée à Almeida Júnior. En vérité, on peut aller plus loin : dans cette oeuvre il y a beaucoup d'amour à la peinture espagnole (qui a dominé l'avant-garde française au moins depuis les années 1840), et encore à la peinture hollandaise (qu'est-ce qu'on peut dire du coup de pinceau qu'on observe dans le vêtement d'Almeida Júnior ?). Courbet aussi a été profondément marqué pour ces traditions alternatives, qu'il pouvait étudier au Louvre ou à la Galerie Espagnole, en fonctionnement de 1838 à 1853.

Curieuse à propos de ce passage d'une tradition à l'autre dans la peinture d'un artiste alors tout jeune, j'ai cherché un texte à ce sujet, devenu classique : Almeida Júnior - sa technique, son oeuvre [Almeida Júnior – sua técnica, sua obra], d'Alfredo Galvão, écrit en 1950 et heureusement mis en ligne pour l'équipe du site DezenoveVinte (http://www.dezenovevinte.net/). Peut-être qu'il ne soit pas évident d'un coup d'oeil, mais la structure narrative choisie par l'auteur pour aborder le voyage d'Almeida Júnior à l'Europe doit quelque chose aux contes de fées. J'utilise certaines des fonctions des personnages présentées par Vladimir Propp, dans sa Morfologie du Conte Merveilleux, pour aider ma modeste ligne d'argumentation :


a) Il manque quelque chose à un membre de la famille : à Almeida Júnior manquait alors le contact direct avec la tradition de l'art européenne et avec l'enseignement de grandes écoles de beaux-arts, ce qu'il était nécessaire pour faire progresser sa carrière d'artiste.

b) Le héros quitte la maison : Almeida Júnior est parti pour l'Europe comme pensionnaire du Empereur.

c) Le héros subit une épreuve : élève à l'École des Beaux Arts, en plusieurs moments Almeida Júnior est obligé à tester son talent.

d) L'antagoniste est vaincu : Almeida Júnior a vaincu les épreuves artistiques et "l'antagoniste" (ça veut dire, le fantôme de l'échec à l'étranger) quand il a conquis, d'accord avec Galvão, "des prix de haute distinction", comme le prix dans un concours de dessin d'ornement (à dire la vérité, pas exactement le plus prestigieux) et la mention d'honneur (dans un cours d'anatomie; la spécification de ces prix peut être trouvée chez des auteurs comme Paula Frias, dans sa mémoire de maîtrise Almeida Júnior, uma alma brasileira?), et participer aux Salons de 1879 (avec Portrait de M. J. M...), 1880 (avec Défricheur brésilien et Le remords de Judas), 1881 (avec La fuite en Egypte) et 1882 (avec Pendant le repos).

e) Le damage initial est réparé : la carence dans la formation artistique d'Almeida Júnior est réparé par le succès à l'Europe et l'artiste change alors de la condition de provincial à celle de cosmopolite.

f) Le retour du héros : Almeida Júnior retourne au Brésil en 1884, apportant dans son bagage les tableaux crées à l'Europe et un répertoire artistique “à jour”.

g) Le héros se marie et accède au trône : encore en 1884 Almeida Júnior participe à l'Exposition Générale de l'Académie Impériale des Beaux-Arts, un de ses travaux a été donné par l'Empereur à l'Académie et, l'année suivante, l'artiste a reçu le titre de “Chevalier de l'Ordre de la Rose”.


Dessin d'Almeida Júnior à partir de son tableau Pendant le repos,
publié dans le Catalogue de l'Exposition Artistique, Rio de Janeiro, 1884



Le schéma que je viens de montrer est très simple et connu par tous. Même comme ça, beaucoup de l'ancienne histoire de l'art qu'on connaît a été modelé à partir de structures narratives de ce type. Je n'irais pas dire que je n'ai jamais, moi-même, fait usage de cette structure, qui a quelque mérite si on considère son impact rhétorique et l'empathie facile suscité par elle chez le lecteur. Mais il est possible faire beaucoup plus, surtout quand on pense dans un artiste comme Almeida Júnior.

Il y a un scénario bien plus enchevêtré derrière la permanence de l'artiste à l'Europe que ce que les biographies populaires d'Almeida Júnior permettent d'entrevoir. J'ai feuilleté les catalogues du Salon de Paris auxquels j'ai eu accès numérique, comme ceux de 1879, 1880 et 1882. Almeida Júnior commence à participer du Salon justement quand il a sorti le premier catalogue illustré de l'exposition. Son nom apparaît tout de suite, en ordre alphabétique, à la première page. Mais il n'y a pas quelque mise en relief. Il faut une contextualization : il y a 3040 artistes qui participent du Salon en 1880 ; parmi eux, une très petite fraction mérite l'honneur d'avoir une oeuvre reproduite dans le catalogue. Il n'a pas besoin de dire que les oeuvres d'Almeida Júnior n'ont jamais été reproduites dans ce catalogue ou dans les suivantes.

Almeida Júnior: Défricheur Brésilien, 1880

Des grandes revues d'art, comme la Gazette des Beaux Arts, ne font pas aussi mention à Almeida Júnior. Dans l'édition de mai 1880, le Marquis de Chennevières a publié Le Salon de 1880 et commence pour critiquer l'excès de tableaux exposés, la foule d'artistes "inutiles", "médiocres" ou "insignifiants". Aurait-il du moins fait attention au Défricheur brésilien, exposé cette même année ? S'il en a fait, il n'a pas parlé. Il parle beaucoup sur Cabanel et ses disciples (Humbert, Cormon, Thirion, Dupain, etc.). Mais, élève, lui aussi, de Cabanel, Almeida Júnior est oublié. Quoi avait pu penser Chennevières sur les peintures d'Almeida Júnior ? À quoi en pensaient des autres critiques comme lui ? Comment "signifier", à l'époque, la position de l'artiste qui ne signifie pas, ça veut dire, dont l'oeuvre n'a pas de répercussion à la presse? Est-ce qu'il y a quelque liaison entre ce silence critique et le fait d'un jeune artiste étranger de plus exposer ses oeuvres à Paris ? Quelle est la liaison entre ce même silence et le mérite artistique d'Almeida Júnior ?

Francisco Laso: Habitant des Cordillières du Pérou, 1855

Caricature de Charles-Albert D'Arnould Bertall, publiée dans le Journal pour rire (1855),
à propos du tableau de Laso.
Ci-dessus on peut lire le suivant:
"Pourquoi cet habitant porte-t-il une tirelire?
C'est sans doute pour indiquer combien sa patrie est riche en numéraire.
Ceci est vrai; mais, pour la peinture, ce n'est pas le Pérou".

Comme André Toral dans "No limbo acadêmico : comentários sobre a exposição 'Almeida Júnior - um criador de imaginários' ["Aux limbes académique : commentaires sur l'exposition 'Almeida Júnior - un créateur d'imaginaires'"], de 2008, j'aimerais bien lire, moi aussi, beaucoup plus sur les rapports d'artistes tels qu'Almeida Júnior avec la scène artistique européenne, de préférence présentés à partir d'une recherche documentaire, narrés d'une façon qui échappe au triomphalisme des schémas narratifs du conte merveilleux. Sont infinies les possibilités pour qu'on puisse faire quelque chose comme ça. Je considère, par exemple, très inspirateur l'article de Natalia Majluf, "Ceci n'est pas Le Perou", or, the failure of authenticity : marginal cosmopolitans at the Paris Universal Exhibition of 1855. Majluf analyse comment la critique parisienne a reçu, par exemple, le tableau Habitant des Cordillières du Pérou, présenté par Francisco Laso (1823-1869) à l'Exposition Universelle de Paris de 1855. Le tableau, pour plusieurs, n'était pas suffisamment costumbriste ou pittoresque, ça veut dire, il n'était pas suffisamment péruvien... terrible péché pour un peintre pas français, selon le point de vue de Majluf :

“Like Mantz, other critics disqualified the work of marginal cosmopolitans by nothing, in passing, who their - mostly French - teachers had been. Where the style used by the marginal cosmopolitan was traceable to a French source, it could only be caracterized as an illegimate possession, as a theft. For cultural authenticity could not be borrowed; it was, in fact, nontransferable cultural property. National schools were expected to be able to generate, autonomously, distinctive styles to reflect the 'genius', the 'spirit', and the 'character' of its people [...]. Imitation was everywhere rejected".

Un tel point de vue ne pouvait pas renouveler notre façon de comprendre un tableau comme le Défricheur brésilien ? À qui Almeida Júnior voulait satisfaire avec le travailleur représenté dans une luxurieuse nature tropicale, peinte de mémoire ? À ceux qui étaient encore au Brésil ? À la critique française, qui cherchait l'exotisme ? À tous les deux ? Il y a eu quelque encouragement extérieur pour qu'il ait peint cette oeuvre ? Pourquoi ce unique tableau "régional" parmi d'autres de thématique "cosmopolite", présentés par Almeida Júnior dans les autres éditions du Salon ? Sans rien savoir sur ce dilemme, Galvão a écrit le suivant :

"Un autre point intéressant à propos du talent d'Almeida Júnior est-ce que, même en habitant à Paris depuis six ans, où il travaillait beaucoup et où il a créé une grande partie de sa vaste oeuvre, il a toujours pensé à sa lointaine patrie, incorporant à sa thématique des sujets nationaux, comme le Défricheur brésilien, Caipiras negaceando, etc".

Le Défricheur d'Almeida Júnior, je l'ai déjà vu être comparé, entre nous, aux paysans de Millet. Mais la nature tropicale mise en relief dans le tableau de l'artiste brésilien adultère un peu cette possibilité; à mon avis la préoccupation avec la représentation du "typique" et local est plus accentué que la thématique sociale, si forte chez l'artiste français.





Pour conclure d'une façon digressive, un petit échantillon de comment il y a, dans notre relation historique avec les arts européens, quelques moments gênants et, peut-être même pour ça, révélateurs. L'introduction du catalogue illustrée du Salon de Paris de 1879 (dans lequel Almeida Júnior début comme peintre à l'étranger), signé par F.-G. Dumas, termine avec une phrase pleine d'espoir :

"Le but que nous désirons atteindre est d'établir un lien plus intime et plus durable entre l'artiste et le public. Puissions-nous y réussir !"

Par contre, dans l'introduction écrite par le marchand L. de Wilde pour le catalogue de l'Exposition Artistique de 1884, réalisé ici au Brasil, de nouveau avec la participation d'Almeida Júnior (lequel cette fois mérite, dans le catalogue, une oeuvre illustrée) on peut lire, dans un certain passage, le suivant :

"On croit, toutefois, que quand même on a contribué avec peu, pour vrai dire, mais en tout cas avec bonne volonté, pour remplir notre unique but : établir un lien plus intime et plus durable entre l'Artiste et le Public [...]".

Peut-on trouver ici quelque similarité ? Je laisse mon conseil : il faut beaucoup plus explorer, au Brésil, les joies et les difficultés de notre (plusieurs fois méconnu) cosmopolitisme artistique.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Almeida Júnior antes e depois da Europa

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Almeida Júnior: Retrato de moça, 1871

Tudo começou quando eu, folheando o catálogo das Pinacotecas Aldo Locatelli e Ruben Berta (obra de 2008 organizada por Ana Luz Pettini e Flávio Krawczyk), situadas aqui em Porto Alegre, me deparei com duas obras de Almeida Júnior. A primeira, Retrato de Moça, de 1871, e a segunda, Auto-Retrato, de 1878. Ambas pertencem hoje ao acervo da Pinacoteca Ruben Berta, e não são, nem de longe, as obras mais famosas de Almeida Júnior. Ainda assim, quando as vi lado a lado, na mesma página, e quando reparei nas datas de composição de cada uma delas, fiquei impactada: de 1871 a 1878, ou seja, no curto espaço de sete anos, Almeida Júnior passou, em sua pintura, do século XVIII ao século XIX.


A moça de Almeida Júnior e a Pompadour de Boucher...


Explico: logo que vi o Retrato de Moça, me lembrei de François Boucher (1703-1770). Vamos analisar o tão famoso retrato de Madame de Pompadour, de 1759 – reproduzo aqui um detalhe. Prestemos atenção no tratamento da pele, no formato do rosto, nas convenções de representação dos lábios e dos olhos, no brilho característico dos olhos claros. Essas mulheres (a moça e Pompadour) podem não ser idênticas, mas, em minha opinião, pertencem à mesma família estilística. Teria Almeida Júnior entrado em contato com essas convenções na Academia Imperial de Belas Artes, onde ingressara em 1869? E esse estilo Ancien Régime, teria chegado aqui com a Missão Francesa e se mantido “em conserva”, ou teria vindo em várias remessas, em várias viagens de artistas brasileiros que estudaram no exterior ou de artistas estrangeiros que passaram por ou se fixaram no Brasil?

Almeida Júnior: Auto-retrato, 1878


Outro universo pictórico é aquele que se faz sentir no Auto-retrato, datado de 1878, época em que Almeida Júnior já vivia em Paris, como pensionista do Imperador, há dois anos, e em que ingressa como aluno na École des Beaux Arts. Aqui Boucher é substituído, conforme o coro da crítica especializada em Almeida Júnior, por Courbet. Na verdade, podemos ir além: nessa obra há muito do amor à pintura espanhola que tomou conta dos artistas de vanguarda franceses pelo menos desde a década de 1840, e ainda à pintura holandesa (que dizer do tratamento da pincelada no traje de Almeida Júnior?). Também Courbet foi profundamente influenciado por essas tradições alternativas, que podia estudar no Louvre ou na Galerie Espagnole, em funcionamento entre 1838 e 1853.


Intrigada com essa passagem de uma tradição a outra na pintura do então jovem artista, fui atrás de um texto clássico a seu respeito, Almeida Júnior – sua técnica, sua obra, de Alfredo Galvão, escrito em 1950 e felizmente disponibilizado on-line pela equipe do site DezenoveVinte. Talvez não salte aos olhos imediatamente, mas a estrutura narrativa utilizada pelo autor para tratar da viagem de Almeida Júnior à Europa deve algo aos contos de fada. Recorro a algumas das funções das personagens apresentadas por Vladimir Propp em seu Morfologia do Conto Maravilhoso para amparar minha modesta linha de argumentação:


a) Falta alguma coisa a um membro da família: a Almeida Júnior falta o contato em primeira mão com a tradição da arte europeia e com o ensino das grandes escolas de arte, o que é necessário para fazer progredir sua carreira de artista.

b) O herói deixa a casa: Almeida Júnior parte para a Europa como pensionista do Imperador.

c) O herói é submetido a uma prova: aluno da École des Beaux Arts, em vários momentos Almeida Júnior têm de testar seu talento.

d) O antagonista é vencido: Almeida Júnior vence as provações artísticas e afasta o “antagonista”, qual seja, o fantasma do fracasso no exterior ao conquistar, segundo Galvão, “prêmios de alta distinção”, como o prêmio em concurso de desenho de ornamento (é verdade, não exatamente o mais prestigiado) e a menção honrosa (em um curso de anatomia; a especificação dessas premiações pode ser encontrada em autores como Paula Frias, em sua dissertação de mestrado Almeida Júnior, uma alma brasileira?), e participar dos Salons de 1879 (com Portrait de M. J. M...), 1880 (com Défricheur brésilien e Le remords de Judas), 1881 (com La fuite en Egypte) e 1882 (com Pendant le repos).

e) o dano inicial é reparado: a carência na formação artística de Almeida Júnior é reparada pelo sucesso na Europa, e o artista passa, assim, da condição de provinciano para a de cosmopolita.

f) regresso do herói: Almeida Júnior volta ao Brasil em 1884, trazendo na bagagem as telas pintadas na Europa e um repertório artístico “atualizado”.

g) o herói se casa e sobe ao trono: ainda em 1884 Almeida Júnior participa da Exposição Geral da Academia Imperial de Belas Artes, uma de suas obras é doada pelo imperador à Academia e, no ano seguinte, o artista recebe o título de “Cavaleiro da Ordem da Rosa”.


Desenho de Almeida Júnior a partir de sua tela Repouso do modelo, publicado no Catálogo da Exposição Artística, Rio de Janeiro, 1884


O esquema mostrado acima é bem simples e conhecido de todos. Ainda assim, muito da história da arte que conhecemos foi moldada em estruturas narrativas como essa. Não vou dizer que nunca “cometi” essa estrutura, ela tem seus méritos pelo impacto retórico e pela fácil empatia que desperta junto ao leitor, mas é possível fazer mais, especialmente quando se trata de um artista como Almeida Júnior.


Há um cenário bem mais enredado por trás da permanência do artista na Europa do que as biografias populares de Almeida Júnior deixam entrever. Eu folheei os catálogos do Salon de Paris aos quais tive acesso digital, o de 1879, 1880 e 1882. Almeida Júnior começa a participar do Salon justamente no ano em que sai o primeiro catálogo ilustrado da exposição. Seu nome aparece em ordem alfabética, logo na primeira página. Mas não há destaque algum. Contextualizemos: são 3040 artistas a expor no Salon naquele ano; desses, uma minúscula fração merece a honra de ter uma obra reproduzida no catálogo. Desnecessário dizer que as obras de Almeida Júnior nunca são reproduzidas, nem nesse, nem nos catálogos seguintes.

Almeida Júnior: Défricheur Brésilien, 1880

Grandes revistas de arte, como a Gazette des Beaux Arts, também silenciam sobre Almeida Júnior. Na edição de maio de 1880, o Marquis de Chennevières publica Le Salon de 1880, e começa criticando o excesso de quadros expostos, a multidão de artistas “inúteis”, “medíocres” ou “insignificantes”. Teria ele sequer prestado atenção ao Défricheur brésilien, exposto naquele ano? Se prestou, não disse Trata até longamente de Cabanel e de seus discípulos (Humbert, Cormon, Thirion, Dupain, etc.). Mas Almeida Júnior, também ele discípulo de Cabanel, não é lembrado. Que pensaria Chennevières das pinturas de Almeida Júnior? Que pensariam outros críticos como ele? O que significaria, na época, o artista não causar repercussão na imprensa com sua obra? Que ligação há entre esse silêncio crítico e o fato de se tratar de um jovem artista estrangeiro expondo em Paris? Que ligação há entre esse mesmo silêncio e o mérito artístico de Almeida Júnior?

Francisco Laso: O habitante da Cordilheira do Peru, 1855

Caricatura de Charles-Albert D'Arnould Bertall, publicada no Journal pour rire (1855),
a propósito da tela de Laso
Abaixo se lê o seguinte:
"Por que esse habitante carrega uma caixa de dinheiro?
Sem dúvida é para indicar o quanto sua pátria é rica em dinheiro.
Isso é verdade; mas para a pintura, não é o Peru" (tradução minha).

Eu também, como André Toral em No limbo acadêmico: comentários sobre a exposição ‘Almeida Júnior – um criador de imaginários’, de 2008, gostaria de ler bem mais sobre as relações de artistas como Almeida Júnior com o ambiente artístico europeu, de preferência apresentadas com amparo em cuidadosa pesquisa de documentação de época, e em moldes que escapem um pouco ao triunfalismo dos esquemas narrativos do conto maravilhoso. As possibilidades para se fazer isso são muitas. Nesse sentido, considero inspirador o artigo de Natalia Majluf, “Ceci n’est pas Le Perou”, or, the failure of authenticity: marginal cosmopolitans at the Paris Universal Exhibition of 1855. Mafluf analisa o modo como a crítica parisiense recebe, por exemplo, o quadro O habitante da Cordilheira do Peru, exposto por Francisco Laso (1823-1869) na Exposição Universal de Paris de 1855. O quadro, para muitos, não era suficientemente costumbrista ou pitoresco, ou seja, não era suficientemente peruano... terrível pecado para um pintor não francês, segundo a visão de Majluf:

“Como Mantz, outros críticos desqualificavam a obra de cosmopolitas marginais por meio do destaque, em passant, de quais haviam sido seus professores, na maior parte franceses. Quando o estilo usado pelo cosmopolita marginal era identificado com uma fonte francesa, poderia apenas ser caracterizado como uma possessão ilegítima, como um roubo. Pois a autenticidade cultural não poderia ser tomada de empréstimo; ela era, de fato, propriedade cultural não transferível. De escolas nacionais se esperava que estivessem aptas a gerar, autonomamente, estilos distintivos que refletissem o ‘gênio’, o ‘espírito’ e o ‘caráter’ de seu povo. [...]. A imitação era em toda a parte rejeitada“ (tradução minha).


Uma ótica semelhante a essa não poderia renovar nosso modo de entender uma tela como Défricheur brésilien? A quem Almeida Júnior procurava atender com o trabalhador retratado em uma natureza tropical luxuriante, pintada de memória? Aos que ficaram no Brasil, à crítica francesa, sedenta de exotismo, a ambos? Houve estímulo externo para que pintasse essa tela? Por que essa única tela “regional” em meio às outras de temática “cosmopolita”, que apresentou nas demais edições do Salon? Galvão, ignorando esse impasse, escreveu o seguinte: “Outro ponto interessante do talento de Almeida Júnior é que, mesmo residindo em Paris durante seis anos, lá trabalhando muito e produzindo grande parte de sua numerosa obra, sempre pensou na pátria distante, incluindo em sua temática os assuntos nacionais, como o ‘Derrubador brasileiro’, ‘Caipiras negaceando’, etc”.
Já vi o “derrubador” de Almeida Júnior ser comparado, entre nós, aos camponeses de Milliet. Mas a natureza tropical enfatizada no quadro do artista brasileiro desvirtua um pouco essa possibilidade, a meu ver a preocupação com a representação do “característico” e local me parece mais acentuada do que a temática social, tão forte no artista francês.


Para concluir de modo digressivo, uma pequena amostra de como nossa relação histórica com as artes da Europa têm momentos embaraçosos e, talvez por isso mesmo, reveladores. A introdução do catálogo ilustrado do Salão de Paris de 1879 (aquela na qual Almeida Júnior estréia), assinada por F.-G. Dumas, conclui com a seguinte frase esperançosa, em tradução minha:

"O fim que desejamos alcançar é o de estabelecer um laço mais íntimo e mais durável entre o artista e o público. Oxalá tenhamos sucesso!"


Já a introdução escrita pelo galerista L. de Wilde para o catálogo da Exposição Artística de 1884, da qual também participa Almeida Júnior, agora com uma obra ilustrada, contém a certa altura o que se pode ler abaixo:

"Acreditamos, porém, que mesmo assim, contribuimos com pouco é verdade, mas em todo caso com boa vontade, para o preenchimento do nosso único fim: estabelecer um laço mais íntimo e duravel entre Artistas e Público [...]".


Alguma semelhança? Fica aqui o meu conselho: é preciso explorar mais as alegrias e as agruras de nosso cosmopolitismo artístico.