quarta-feira, 9 de junho de 2010

Eu não fui a Portugal de navio

quarta-feira, 9 de junho de 2010
A editora Cambridge Scholars Publishing, criada por um grupo de intelectuais que freqüentou a Universidade de Cambridge, disponibiliza em seu site, a quem interessar possa, as primeiras páginas de um dos livros de seu catálogo, publicado em fevereiro de 2008: Teaching Art History with New Technologies: reflections and case studies [Ensinando história da arte com novas tecnologias: reflexões e estudos de caso], de Kelly Donahue-Wallace, Laetitia La Follette e Andrea Pappas. Este livro é uma novidade se considerarmos que poucos são os que se debruçam sobre o ensino de história da arte em cursos de graduação. Vale a pena consultar os sites de dois grupos de professores que há alguns anos pesquisam o tema, indicados pelas autoras: na Inglaterra, Computers and the History of Art (www.chart.ac.uk, e especialmente www.chart.ac.uk/vlib/, uma desesperadora central de recursos para o ensino de história da arte) e nos Estados Unidos, Art Historians interested in Pedagogy and Technology (AHPT – www.ahpt.org ).

Lendo o texto introdutório, algumas informações me chamaram a atenção. A maior parte dos professores que realizam experimentos com novas tecnologias no ensino de história da arte (bom, esse é o foco do livro) trabalha com turmas de início de curso. Há alguns bons motivos para isso: se há algumas décadas os que estudavam história da arte vinham de classes economicamente privilegiadas e as turmas eram pequenas, com a atual ampliação de vagas e com a democratização do acesso ao ensino o cenário mudou bastante. Em muitas universidades americanas e européias os professores dos semestres iniciais se vêem diante de grandes turmas, compostas por alunos que, em sua maior parte, têm pouca ou nenhuma experiência com arte e sua história. Tais alunos esperam deixar o curso como verdadeiros profissionais da história da arte, e nos primeiros semestres precisam assimilar uma quantidade avassaladora (e talvez, por isso mesmo, desestimulante) de informações. Situação neste aspecto muito semelhante à nossa. Nós agora contamos com alguns cursos de História da Arte no país, e nos semestres iniciais ministramos disciplinas como essa que ministro agora, História da Cultura I, com um conteúdo muito extenso, que parte da Antiguidade e vai até o final da Idade Média.


Mas há uma pequena diferença (vou me concentrar apenas em uma, mas claro está que há muitas outras) com a qual nós, aqui, ainda temos de lidar: a nossa posição periférica. A História da Arte é uma disciplina essencialmente internacional. Podemos nos especializar em artes nacionais (do Brasil, dos Estados Unidos, da Argentina...), mas nosso poder de fogo teórico sempre será limitado se não considerarmos também o que ocorre nos grandes centros do mundo, com os quais tais artes locais se comunicam tanto teórica quanto estilisticamente. Isso significa que, dependendo de nosso enfoque de estudos, pode fazer grande diferença observar as obras ao vivo e a cores, e não apenas através de reproduções. Sim, porque o nosso estudo de história da arte não-nacional (escrevo assim para me poupar de enumerar a arte africana, asiática, européia, etc) é baseado no estudo de reproduções, o que nos obriga a insistir sobre alguns aspectos (características composicionais, alguns significados iconográficos, emprego das cores – ainda que nesse último caso pisemos em areia movediça, porque as cores são bastante distorcidas nas reproduções; não estranha que Wölfflin, com uma abordagem formalista, ainda seja tão empregado) e calar sobre outros (características físicas da obra, aquelas estudadas pelo connaisseur, pincelada, técnicas, e também sobre muito da contextualização histórica mais aprofundada, que exigiria bibliografia que muitas vezes ainda nem foi traduzida para o português). Talvez uma parcela significativa de nossos alunos nunca tenha a oportunidade de ver o original das obras que estudou através de reproduções, e mesmo os professores muitas vezes trabalham com a imagem de obras que não puderam conhecer em seus contextos museais.

De todo modo, aqui como lá temos uma massa de estudantes calouros que ficam na penumbra, que buscam inspiração, segundo as palavras dos autores do livro, na “arte no escuro”, nas longas exibições de slides e, mais recentemente, power points. O problema desses métodos é que, se o aluno não é “inspirado”, ele correrá o risco de, no fundo da sala, “inspirar e expirar” gostosamente, em uma reparadora soneca. Levante a mão o professor de história da arte que, exibindo slides e power points, nunca fez um aluno dormir.

Para evitar o fenômeno dos calouros passivos vagarosamente se instala, no ensino da história da arte, a experimentação de novas tecnologias que enfatizem a aquisição de habilidades. Assim, aos poucos os professores começam a se habituar ao uso do Moodle e mesmo do Second Life a fim de tornar suas aulas mais dinâmicas.

Duas breves conclusões, então: não nos desesperemos se não há como ir de avião, navio ou bicicleta à Europa cada vez que estudamos, por exemplo, arte antiga e medieval, pois as autoras do livro garantem que “A história da arte envolve mais do que olhar; ela pede que os estudantes pensem sobre o que observam” (tradução minha). Claro que nos EUA esse problema é resolvido parcialmente em algumas instituições através da realização de excursões cuidadosamente planejadas. Também não nos desesperemos se as revoluções tecnológicas em sala de aula demoram a chegar. Elas não são milagrosas. Lembremos que Aristóteles, quando dava aula, não contava nem mesmo com um bastão de giz, e o que nos restou de seu pensamento vem das anotações de seus alunos, sinal de que prestaram atenção. Quanto ao sono causado pela “arte no escuro”, que tal um café?