quinta-feira, 24 de junho de 2010

Breve tipologia do plágio acadêmico

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Minha intenção inicial era apresentar aqui uma breve história do plágio acadêmico, mas na aula de Ciências da Arte: Espaço Simbólico mergulhamos hoje na semiótica e a minha gana tipológica foi despertada. É por isso que veremos aqui uma ainda incipiente tipologia do plágio acadêmico, que merecerá futuros aperfeiçoamentos.

A questão do plágio é uma dor de cabeça para os professores de várias áreas. São inúmeras as universidades mundo afora que dispõem de legislação específica sobre plágio, da qual os alunos tomam ciência, e é comum encontrar nas últimas linhas de um plano de ensino todas as sanções a que o aluno estará sujeito caso incorra nesse verdadeiro delito intelectual. Como professora mais de uma vez tive de lidar com situações de plágio. Minha reação inicial foi de perplexidade: não conseguia ver nenhuma diferença entre um plagiador e outro, e me concentrava na comprovação do erro e nas providências necessárias para sua solução.

Com o tempo, no entanto, essa minha compreensão do plágio, em p&b e altamente contrastada, começou a ganhar um colorido complexamente matizado. Aos poucos percebi algumas verdades fundamentais sobre os plagiadores (e não estou pensando mais apenas nos plagiadores discentes, mas em um, digamos assim, plagiador universal): eles são como os demais elementos da natureza, não há um igual ao outro. A sua ação se diferencia ainda na natureza essencial: pode resultar em plágio (a cópia de qualquer espécie de trabalho de outrem, completo ou em partes) ou em autoplágio (a cópia do próprio trabalho inserida em outro trabalho, sem a identificação do procedimento – não confundir com a figura da autocitação inepta, também muito recorrente). Plágio e autoplágio podem conter, além disso, um desses dois tipos de elemento de conduta: o dolo (erro por má-fé) ou a culpa (erro sem má-fé). Finalmente, plágio e autoplágio, culposos ou dolosos, podem variar no que diz respeito ao foco da motivação, apresentando-se, desse modo, como egocêntricos (incitados por motivos pessoais ou internos) ou exocêntricos (incitados por motivos transpessoais ou externos). Vejamos como essa bela e longamente meditada teoria se aplica a um punhado de casos concretos.

Plágio doloso de motivação egocêntrica: este é o plágio ao mesmo tempo mais temido e mais comum. O plagiador segue, nesse caso, a lógica do ladrão: pega o que consegue a fim de ter o maior lucro possível. Nos cálculos de ganho entram as horas que deixa de gastar pesquisando e concebendo um trabalho original. Um exemplo que me ocorre é o de Helena Morley (1880-1970), que relata, em Minha Vida de Menina (1893-1895), o ardil ao qual recorreu, certa feita, na tentativa de ganhar mais tempo para brincar com a amiga Cecília: copiou de um livro uma carta, solicitada como exercício de redação, e a entregou a Seu Sebastião, o professor de português. O que acontece depois saberemos pelo próprio relato de Helena, antológico:

“Quando chegou a minha vez: ‘Helena Morley!’ olhou para o meu lado e parou um instante. Fiquei com o coração aos pulos, esperando o elogio. Ele gritou alto: ‘Onde é que você descobriu o manual?’. Os alunos caíram na gargalhada. Que maldade de Seu Sebastião!”.

Plágio doloso de motivação exocêntrica: lembro perfeitamente que incorri, uma única vez, nesse plágio, no tempo em que cursava o então chamado primeiro ano do segundo grau. Após um ano inteiro sendo mentalmente torturada por péssimas aulas de moral e cívica, resolvi revidar e pregar uma peça na professora. Copiei, com bela letra, um artigo completo da revista Nova Escola (não lembro o assunto) e entreguei como trabalho final da matéria. Minha paga me deixou indignada: tirei nota máxima e a professora nem sequer desconfiou do plágio. Sim, eu sei, foi ingenuidade de minha parte.

Plágio culposo de motivação egocêntrica: esse é o plágio que se difunde com maior rapidez. Ele viceja entre os que não estão habituados ao trabalho intelectual. Fiquei estarrecida quando o identifiquei. Podemos enquadrar aqui todos aqueles plágios cometidos por plagiadores culposos, ou seja, por aqueles que, almejando uma boa nota na disciplina (daí o caráter egocêntrico), recortam e colam da Wikipédia sem sequer sonhar que há algum problema em fazer isso. Por alguma via que desconheço eles se acostumaram a entender a pesquisa como uma atividade de cola e tesoura, e exibem mesmo orgulhosos o fruto de seu trabalho. São tais plagiadores que nos presenteiam com aqueles chamativos trabalhos-quilt, cravejados de hiperlinks não removidos.

Plágio culposo de motivação exocêntrica: apresenta as mesmas características acima citadas, com a diferença de que a motivação é agradar ao professor, ou à família, ou ao namorado/a. É o mais desapegado dos plágios e o mais elevado espiritualmente.

Desnecessário dizer que todas essas variantes se verificam também no autoplágio, o qual não abordarei nesse momento, até porque se trata de questão controversa: plagiar a si mesmo é, de fato, plagiar? As idéias do autor, por exemplo, não são como peças de Lego, blocos de montar que podem ser utilizados, em diferentes disposições, em uma sequência infinita de artigos, sob os mais variados títulos? O próprio Walter Benjamin não fez isso ao extrair do texto Pequena História da Fotografia, de 1931, o parágrafo mais fundamental, e a partir dele conceber o imortal ensaio A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica (1936)? Estaria ele, por ventura, errado? Se entendermos as idéias como propriedade privada, seria mesmo possível roubar a si mesmo? Je ne sais pas.

Como mencionei no início, minha teoria ainda não está completa. Ela segue se desdobrando como uma tênia bem nutrida, e já posso ver no horizonte duas novas categorias, mais abrangentes e ainda mais ancoradas na tradição acadêmica: o plágio clássico e o plágio romântico. Deixemos que o tempo as amadureça.