sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Alexandre Cabanel, uma força subterrânea

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Ao longo do ano de 2007 (era meu último semestre como professora substituta no Instituto de Artes da UFRGS) realizei, com minhas turmas de História da Arte II uma atividade que batizei de 1863, “A Batalha dos Impressionistas”: O salão oficial (Alexandre Cabanel) e o Salão dos Recusados (Edgar Manet). As turmas se dividiriam em dois grandes grupos e teriam de defender, respectivamente, os argumentos dos artistas acadêmicos do século XIX, e aqueles dos artistas “recusados”. Os grupos que “encarnaram” os acadêmicos tiveram de descobrir quem era Alexandre Cabanel (houve mesmo um aluno que, no dia do debate, foi para a aula vestido de Cabanel – assim como outro membro do seu grupo se fantasiou de Puvis de Chavannes), na época uma descoberta também para mim bastante recente. Os alunos se divertiram com a proposta (certamente alguns mais do que outros) e eu, findo o meu contrato e extinta a disciplina (História da Arte II fazia parte do currículo antigo e fui eu a ministrar sua derradeira aula, no segundo semestre de 2007), vez por outra tornei a bisbilhotar a respeito de Cabanel, essa figura que tão enigmática me pareceu.

Com o perdão da redundância, comecemos do começo: Alexandre Cabanel (1823-1889) é um bom exemplo daquilo que hoje entendemos por arte acadêmica (rótulo frouxo e impreciso, é necessário que eu insista nesse ponto). Sempre estreitamente vinculado ao Salon de Paris (ganhara o Prix de Rome em 1845 e seus alunos participavam ativamente de todas as edições do Salon), tornou-se professor da École des Beaux-Arts em 1863 e, juntamente com William-Adolphe Bouguereau, mais um pintor acadêmico reconhecido na época, fez parte do Júri que recusou, entre tantos outros, Manet, Camille Pissarro e Henri Rousseau. O seu quadro O nascimento de Vênus fez imenso sucesso no Salon de 1863, e foi comprado por Napoleão III, que o elegeu seu pintor favorito.

É difícil entender, em um primeiro momento, o que pode ter atraído o público (e Napoleão) nessa obra, que agora causa uma impressão tão insossa: a previsível Vênus depositada sobre o mar e cercada por insípidos anjinhos. Podemos buscar explicações em ilustrações de revistas da época, que formavam em parte a cultura visual dos frequentadores do Salon – um exemplo é essa Ninfa atormentando um golfinho (Nynphe tourment um dauphin), de Joseph Felon, publicada em uma edição da revista L’Artiste de 1863.


Nessa ilustração a ninfa é apresentada de modo bastante protocolar. A situação em que ela se encontra pressupõe movimento, mas esse movimento não é realmente visível – a ninfa e o golfinho são construídos de modo a parecerem estáticos.

Seria fácil cedermos à tentação de indicarmos muitas semelhanças entre a Vênus e a Ninfa, seria fácil considerá-las, ambas, inertes e esquemáticas, o que confirmaria a hipótese de que há muita convenção na experiência de observar e, mais do que isso, avaliar um quadro.
No entanto, tornemos a olhar para a Vênus de Cabanel, o que eu, particularmente, não fiz sozinha, mas guiada pelo artigo de Gabriele Genge, Geschichte(n) um Cabanels Naissance de Vénus Von 1863: Körper als Text und Bild: a posição em que a Vênus é apresentada diverge dos exemplos mais antigos, de Ticiano a Poussin. Genge argumenta que se trata de uma Vênus eminentemente moderna, marcada pelas ousadas poses das fotografias eróticas que circulavam então em Paris – Courbet também bebe nessa fonte, ao se inspirar em fotografias de Auguste Belloc.

Fotografia de Belloc e Vênus de Cabanel

De todo modo, mesmo que se trate de ousadia, é ousadia contida, aceitável em um Salon. Alguns anos depois desse Salão dos Recusados, um evento único, teríamos as exposições impressionistas, e Cabanel naturalmente deveria sair de nosso campo de visão – não é comum encontrar seu nome em histórias gerais da arte do período. No entanto, já sabemos muito sobre os impressionistas, e é pelo menos curioso descobrir o que o autor daquela Vênus pode ter feito de sua carreira, em uma época em que as tendências estéticas se alternavam com velocidade cada vez maior. Teria ele continuado o caminho que sua Vênus fotográfica apontava?


Fedra e Cleópatra

Não propriamente. Cabanel irá, como veremos, combater os impressionistas e adotar as temáticas popularizadas pelos pré-rafaelitas e pelo esteticismo inglês, mantendo-se bem-sucedido. Assim, sucedem-se A filha de Jephthah (1879), Phèdre (1880), Cléopatre essayant des poisons sur des condamnés à mort (1887), entre várias outras.


Anunciação (1848), de Rossetti, e O Tepidarium (1881), de Alma-Tadema

Há muito de Dante Gabriel Rossetti (1828-1882) (mesmo do primeiro, com sua famosa Anunciação) e do superstar da época, Alma-Tadema (1836-1912) (vejamos seu Tepidarium, de 1881), nessas mulheres de cabelos longuíssimos, pele muito pálida e atitude blasé, que continuarão a ser pintadas até a virada do século e que se tornarão um dos temas típicos da dita pintura acadêmica. Famoso em vida, profundamente influente entre seus contemporâneos (até nosso Pedro Américo lhe deve algo, se formos julgar sua Judite, de 1880), terá a fama póstuma, no entanto, negada pela posteridade: suas lânguidas femmes fatales foram paulatinamente conduzidas aos porões dos museus com a chegada de uma nova geração de mulheres modernas, angulosas, geométricas, que vibra com a energia tomada de empréstimo às máscaras africanas.

A filha de Jephthah (1879), de Cabanel, e Judite rende graças a Jeová (1880), de Pedro Américo