quinta-feira, 20 de maio de 2010

Preciso mesmo conhecer Joseph Priestley?

quinta-feira, 20 de maio de 2010
Todos temos alguns peixes a vender. O problema é que os meus, obras, fatos, ideias, pessoas que viveram no máximo até o começo do século vinte, não são mais tão frescos. Para desvendá-los é preciso um pouco mais de esforço, é preciso o mergulho no mundo virtual da leitura e no exercício intenso da imaginação. Em uma época que valoriza tanto o presenteísmo, talvez eu peça demais. Como, por exemplo, eu posso persuadir meus alunos bloggeiros e internautas, presentes e futuros, de que vale a pena gastar algum tempo com velharias tais como Joseph Priestley? E, aliás, quem já ouviu falar em Joseph Priestley por aqui? Já ouço a pergunta: "Qual é a utilidade disso, professora?" (não deixo de perceber a ironia da pergunta quando lembro que Priestley é um dos pais do "utilitarismo"...) Pois eu perdi meu tempo, uma tarde muito alegre, confesso, em descobrir quem ele era, há uns dois anos atrás.

Joseph Priestley (1733-1804) era um polímata, um daqueles intelectuais enciclopédicos, com múltiplos interesses e com uma voracidade, uma sede de conhecimento de causar inveja. Era teólogo em Birmingham e também cientista, e teve muitas dificuldades em conciliar essas atividades na prática – procurava abordar a religião com o mesmo racionalismo que empregava no exercício da ciência, o que não gerou especial simpatia entre os fiéis. O feito pelo qual é mais lembrado é o de haver descoberto o oxigênio em 1774 (ainda que não seja o único hoje a receber os créditos pela descoberta). Mas antes disso ele criou aquilo que fez com que eu o estudasse: a linha do tempo, o recurso gráfico que aparece em quase todo o livro didático de história e de história da arte hoje, o recurso que conheceu a glória e o desprezo junto às diferentes gerações de teóricos da história. Em 1765 Priestley publicou The chart of biography (1765), ilustrado com a disposição os grandes impérios da história em uma linha do tempo. Outra versão desse recurso aparece no livro seguinte dedicado ao tema, New Chart of History (1769).

A tal linha do tempo espalhou-se como pólvora, até atingir a popularidade e a onipresença que conhecemos hoje. Aos que criticam seu uso, por implicar em uma "história cronológica e linear", chamo a atenção, em primeiro lugar, para a extrema juventude do recurso (o que são 250 anos?), e em segundo lugar, para o fato de que história sempre exige um esforço de imaginação – a década de 1720 não é igual à de 1820, faz muita diferença haver nascido em uma ou em outra e, na falta de qualquer outro mérito, a linha do tempo ao menos permite que "visualizemos" essa distância ao apresentá-la espacialmente. É um recurso como tantos outros, e que pode continuar sendo útil mesmo para os que estudam história da cultura e da arte unicamente guiados por problemáticas.

Não posso deixar de contar o que aconteceu com Priestley depois de mudar nossos livros de história. Ele apoiou entusiasticamente a Revolução Francesa e, em 1791, junto com amigos, decidiu participar de um jantar em comemoração aos dois anos da queda da Bastilha. Pagou um preço bem alto pela ousadia (a fúria contra a revolução era muito grande na Inglaterra da época): perdeu todos os seus livros, os seus pertences, os equipamentos de seu laboratório, sua casa e sua igreja, pois uma multidão raivosa colocou fogo em tudo o que era seu. A solução? Buscar refúgio em Londres e, depois, nos Estados Unidos, onde se instalou em Northumberland, Pensylvania, em 1794, lá vivendo tranquilamente até a morte, em 1804.